Título: Desproteção
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Fonte: O Globo, 08/11/2004, Opinião, p. 6

Em tempos de violência, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na contramão do clamor público, acaba de arquivar a proposta de emenda constitucional que instituía a prisão perpétua no país, perdendo uma grande oportunidade de conferir aos cidadãos brasileiros (pacíficos) direitos e garantias individuais plenas. A grande realidade ¿ os militantes dos direitos humanos preferem não ouvir ¿ é que a legislação penal em vigor no país não guarda nenhuma relação de proporcionalidade com a brutal atualidade dos crimes contra a vida e contra a ordem econômica.

A conclusão a que se chega é que o Código Penal (caduco) permite, sob o alicerce e o discurso da exclusão social, que o bandido-cidadão (bandido-social) assalte, trafique, mate e estupre ao bel-prazer. Ao que tudo indica, a tese de doutos intelectuais, do direito penal mínimo e das penas alternativas, permanecerá em voga por muitos anos. Para ¿desafogar¿ o sistema penitenciário propõe-se o incremento das penas alternativas, a progressão dos regimes carcerários, o ¿aperfeiçoamento¿ da Lei de Execução Penal (já há direito a visitas íntimas), e mais e mais benefícios.

Salta aos olhos que de tempos para cá a proposta para beneficiar criminosos tem sido a tônica das conclusões de doutos criminólogos, supra-sumos da mais correta interpretação jurídica, missionários da criminologia misericordiosa. Esta é a doutrina que acabou por tornar o Brasil um dos países mais violentos do mundo (50 mil homicídios por ano), um número de mortos superior ao de guerras. Inexiste relação entre a lei penal e as armas de guerra usadas por meliantes da mais alta periculosidade, que continuam a desafiar a tudo e a todos.

Com relação aos bandidos-sociais mirins (inimputáveis até aos 18 anos), a prova mais cabal da criminologia misericordiosa foi a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sob a proteção da lei n 8.069/90, que instituiu o anacrônico dispositivo, menores infratores têm merecido a indulgência plena, cometam o crime que cometerem, atirem na cabeça de quem for. No máximo, permanecerão por três anos ¿internados¿ em estabelecimentos educacionais.

Não há como negar à população brasileira que a vida e a dignidade humana estão aviltadas. E a atitude da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ainda que legal e legítima, acaba por enfraquecer a proposta (real) de uma doutrina jurídica mais rígida. MILTON CORRÊA DA COSTA é tenente-coronel da Polícia Militar, na reserva.