Título: 'Brasileiros são muito propensos a atirar um nos outros', afirma o 'NYT'
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 21/10/2005, O País, p. 4

Jornal americano cita dados errados e ignora venda de armas para os EUA

NOVA YORK. "Os brasileiros são muito propensos a atirar um nos outros". Assim, o "New York Times" abriu ontem um artigo assinado pelo correspondente Larry Rohter sobre o referendo marcado para domingo e o debate sobre o desarmamento. O jornal informou aos americanos que 40 mil pessoas morreram no Brasil em 2003 vítimas de armas de fogo, um número quatro vezes maior do que os mortos no mesmo período nos Estados Unidos, que têm cem milhões de habitantes a mais.

"As cidades brasileiras estão se tornando crescentemente mais violentas e perigosas, os crimes estão aumentando e com freqüência as quadrilhas têm um poder de fogo maior do que a polícia", afirmou o artigo, destacando que o plano do governo para banir o comércio de armas e munição provocou um raro e apaixonado debate cívico.

O "Times" relata os problemas que o governo vem enfrentando com o maior escândalo de corrupção da História do país, os cortes feitos nos orçamentos sociais e especialmente na segurança pública, para constatar que votar contra a proibição das armas se tornou uma espécie de ato de protesto contra o governo.

Dados oficiais são diferentes

Publicada na página de abertura do noticiário internacional, a reportagem traça o preocupante quadro da segurança no país: o Brasil tem a segunda maior indústria de armamentos do mundo ocidental, 80% das armas produzidas no país são exportadas para países vizinhos, como o Paraguai e a Colômbia, mas muitas são contrabandeadas de volta, e as armas usadas para cometer crimes são desviadas da polícia e de arsenais militares, roubadas e vendidas por soldados ou policiais corruptos.

Dados do Exército, que controla a produção de armamento no país, desmentem, porém, as informações veiculadas pelo jornal americano. Diferentemente do que informou o "Times", o Brasil, segundo o Exército, não exporta armas para o Paraguai desde 1999. E o comércio com a Colômbia é pequeno. Esse mercado é reduzido porque a taxa de imposto incidente sobre esses produtos na América Latina e no Caribe chega a 150%. Os Estados Unidos é que aparecem como o maior comprador de armas brasileiras, fato ignorado por Larry Rohter.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, de janeiro a setembro deste ano, o Brasil exportou apenas em carabinas e espingardas para caça ou prática de tiro ao alvo US$37,6 milhões. No total foram cerca de 307 mil armas, sendo que mais de 80% delas para os EUA.

"Oponentes da proibição, inclusive grupos que se auto-descrevem como aliados da National Rifle Association, dizem que a medida servirá apenas para estimular os criminosos", diz o jornal, citando em seguida uma declaração de Alberto Fraga, presidente da Frente Parlamentar pelo Direito de Legítima Defesa.

"Assim que os bandidos souberem com certeza que os cidadãos que costumam obedecer às leis não têm mais armas em suas casas e que eles podem ir lá sem medo, então que Deus ajude a famílias brasileiras", diz Fraga na reportagem do jornal americano..

"Este é um país que mata mais do que qualquer outro"

O "Times" relata que "os defensores da proibição, apoiados por uma carta de diversos premiados com o Nobel da Paz, afirmam que esta é uma oportunidade para os brasileiros votarem por uma sociedade mais segura. O jornal cita uma declaração de Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio. "O Brasil não é Suíça, Inglaterra nem mesmo os Estados Unidos. Este é um país que mata com armas de fogo mais do que qualquer outro país no mundo. Nós estamos vivenciando uma epidemia, uma praga, e medidas radicais são necessárias para controlar o uso irresponsável das armas de fogo", diz ele no artigo.

Legenda da foto: AS URNAS do referendo: "debate apaixonado" segundo o "New York Times"