Título: Relação entre armas e crimes causa divergências
Autor: Toni Marques
Fonte: O Globo, 21/10/2005, O País, p. 8

No mundo, pesquisadores têm conclusões opostas, mas maioria concorda que papel da polícia é fundamental

Leis de restrição total ou parcial ao acesso a armas de fogo por parte de civis não explicam, mundo afora, altas ou baixas taxas de criminalidade. A explicação é tanto legal quanto cultural. Do contrário, os Estados Unidos, país que tem o maior estoque de armas legais do mundo, não poderiam ter índices de homicídios semelhantes aos da Rússia, país que tem leis muito duras de acesso a armas. Nem a Alemanha, que não proíbe a venda das chamadas armas de mão (pistolas e revólveres) poderia, em termos percentuais, ter menos homicídios que a Jamaica, que restringe a posse de armas de fogo.

Sobre o papel da polícia concordam dois acadêmicos opostos no espectro do debate: o economista e pesquisador John Lott, autor do livro "Mais armas, menos crimes", e o também economista Steven Levitt, autor de "Freakonomics". Levitt ficou conhecido pelo grande público ao defender a tese de que a legalização do aborto levou à queda da criminalidade.

"O mais importante para reduzir crime é a polícia"

Segundo ele, que estudou o papel do acesso às armas pela população civil nos Estados Unidos, a espetacular queda dos índices ao longo dos anos 90 em seu país tem quatro explicações: legalização do aborto, mais policiamento, maiores índices de detenção de criminosos e diminuição drástica do tráfico de crack.

O economista John Lott, cuja pesquisa publicada em 1997 tem sido muito atacada por questões de metodologia, examinou estatísticas de crimes entre 1977 e 1992 em estados americanos que passaram a permitir porte de arma e estados que não permitem, concluindo que onde há porte de armas permitido há queda na criminalidade. Em entrevista ao GLOBO por e-mail, Lott reforça, porém, o papel do policiamento:

- O fator mais importante para redução do crime é a polícia. Mas a questão é: apesar de a polícia ser o fator único mais importante, ela quase sempre chega à cena do crime depois que o crime foi cometido, e a questão é o que as vítimas devem fazer quando se deparam com um criminoso.

Para Mark Duggan, economista da Universidade de Maryland, a pesquisa de John Lott não é válida. No seu estudo "Mais armas, mais crimes", ele conclui que 10% de aumento no total de posse de armas legais num dado ano leva a um aumento de 2% no índice de homicídios no ano seguinte.

Na Austrália, país que restringiu ao máximo o acesso da população a pistolas e revólveres, os criminologistas Peter Reuter e Jenny Mouzos confrontaram números dos crimes antes e depois do recolhimento, por parte do governo, das armas da população, em 1996. Concluíram que não só a compra feita pela governo, como também a restrição às vendas incidiram sobre a criminalidade.

Já o criminologista Gary Kleck, professor da Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Universidade do Estado da Flórida e autor de "Alvejando armas: armas de fogo e seu controle" (1997) e "Armado: novas perspectivas sobre controle de armas" (2001), fez pesquisa em 1993 que concluiu que armas são usadas como autodefesa em cerca de dois milhões de vezes por ano nos EUA. Antes desta, outras 13 pesquisas chegaram a números entre 800 mil e 2,5 milhões de usos anuais.

No último dia, direitos de resposta

A propaganda eleitoral gratuita do referendo foi encerrada ontem à noite com cada frente veiculando direito de resposta por causa de informações equivocadas exibidas no programa adversário.

A frente do "Não" (contra a proibição da venda de armas) mostrou resolução da Justiça Eleitoral proibindo que a frente do "Sim" (a favor da proibição) fizesse interpretações do Estatuto do Desarmamento confusas para o eleitor. E a frente do "Sim" obteve o direito de afirmar, no horário do adversário, que as estatísticas exibidas ao longo da campanha eram oficiais e corretas.

A campanha do "Sim" usou a imagem de jovens e crianças fazendo um apelo ao eleitor para que não permitisse "matar o futuro". Usou também um videoclipe com marionetes. A campanha do "Não" repetiu seu principal argumento, o do direito de comprar uma arma.

POR QUE VOTO NÃO 1

SENADOR AMIR LANDO (PMDB-RO): "Não confundo causa com condição. A arma pode ser uma condição da violência, mas não é a causa e precisamos combater todas as causas. É um falso dilema. O povo precisa de segurança. Temos de desarmar em primeiro lugar os bandidos. E não é a venda ou não de armas que vai desarmá-los. Sempre encontrarão meios de conseguir esses instrumentos letais"

POR QUE VOTO SIM 2

PATRUS ANANIAS, MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL: "Cabe ao Estado garantir a segurança e a vida dos cidadãos. Propor o contrário é retornar ao estado anterior à organização política e jurídica da sociedade. Acreditar que cada um possa, e deva, com armas em punho, defender a própria vida é retornar à condição primitiva do cada um por si, a negação das conquistas civilizatórias"