Título: A HORA DA DECISÃO PARA KIRCHNER
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 21/10/2005, O Mundo, p. 30
Eleição pode dar controle do peronismo a presidente argentino
Foi assim, sem rodeios - "sou um pingüim que está sozinho e precisa de ajuda" - que o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, que por ter sua origem na Patagônia é chamado de pingüim, pediu um voto de confiança aos 26 milhões de argentinos. No domingo eles irão às urnas para eleger 24 senadores e 127 deputados.
Quase dois anos e meio depois de ter assumido o poder com apenas 22% dos votos (o percentual mais baixo da História argentina), Kirchner enfrentará o principal teste eleitoral de seu governo. Uma vitória dos candidatos da Frente para a Vitória, movimento peronista fundado pelo presidente, fortaleceria o poder de Kirchner dentro e fora do Partido Justicialista (PJ).
Maior adversário é Eduardo Duhalde
Segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, o governo conseguirá excelentes resultados, sobretudo na província de Buenos Aires, onde vivem quase 40% dos eleitores argentinos. No entanto, as fissuras dentro do PJ provocadas pela guerra entre Kirchner e o ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003) impedirão que o governo tenha maioria na Câmara e obrigarão o presidente a negociar novas alianças. Ontem, no último dia de campanha, Kirchner fez um apelo aos eleitores da cidade de Buenos Aires, distrito no qual o candidato a deputado do governo, o chanceler Rafael Bielsa, está em terceiro lugar nas pesquisas, com apenas 14,3% das intenções de voto. O favorito é o presidente do Boca Juniors (time de futebol mais popular do país), Mauricio Macri, que tem 24% das preferências.
- Os habitantes da capital têm de se unir ao projeto. Gosto muito dos portenhos. Os que durante anos votaram em De la Rúa (ex-presidente que governou o país entre 1999 e 2001), em Menem (1989-1999), por que não nos dão uma oportunidade? - perguntou Kirchner, ciente do fraco desempenho de Bielsa.
O presidente também defendeu a candidatura de sua esposa, a primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner, candidata a senadora pela província de Buenos Aires. Trata-se da grande aposta de Kirchner, já que nos últimos 15 anos a poderosa província argentina foi controlada por Duhalde, que em 2003 apoiou a candidatura de Kirchner à Presidência para impedir o retorno de Menem ao poder e hoje é considerado o principal inimigo do presidente. O confronto entre os caciques peronistas é feroz e nas últimas semanas provocou choques violentos e deixou vários feridos. Está em jogo o fortalecimento do projeto político de Kirchner e o futuro do peronismo.
- A província de Buenos Aires é a mãe de todas as batalhas pois nela será disputada a liderança do peronismo. A vitória dos candidatos kirchneristas poderia levar a dois cenários diferentes: uma ruptura definitiva com o duhaldismo ou uma reunificação do peronismo, comandado por Kirchner - explicou a analista política Graciela Romer, diretora da empresa de consultoria Graciela Romer e Associados.
Segundo ela, "o setor liderado por Duhalde não vai desaparecer. Caso não aceite a liderança de Kirchner deverá se aliar a movimentos de centro-direita para disputar a Presidência em 2007".
- A grande incógnita neste momento é saber qual será o destino dos duhaldistas depois da eleição - enfatizou Romer.
Para Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nova Maioria, "a partir de dezembro o presidente terá mais deputados do que tem hoje. Mas também terá menos do que tinha em setembro passado, antes da ruptura com Duhalde".
- Ninguém terá maioria absoluta no Congresso e será muito importante chegar a consensos - admitiu Kirchner ontem, em entrevistas a rádios locais.
A importância da eleição
BUENOS AIRES. Desde que assumiu a Presidência, em maio de 2003, Néstor Kirchner, sofre uma espécie de claustrofobia política, termo utilizado por Joaquín Morales Solá, principal colunista político do jornal "La Nación", para explicar as limitações que o presidente enfrenta. A claustrofobia política do presidente, explicou Morales Solá, é provocada pela carência de votos e a tutela do ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003), que em 2003 apoiou a candidatura de Kirchner e, em grande medida, possibilitou sua chegada ao poder.
Kirchner foi derrotado pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) no primeiro turno e conquistou a Presidência com apenas 22% dos votos, já que Menem decidiu renunciar dois dias antes do segundo turno. Sem a legitimidade das urnas e em dívida com Duhalde, Kirchner passou os últimos dois anos e meio elaborando uma estratégia capaz de superar as fraquezas iniciais de seu governo. Após uma longa lua-de-mel, em meados deste ano Kirchner rompeu a aliança com Duhalde e transformou a eleição legislativa do próximo domingo num plebiscito sobre sua gestão. (J.F.)
Legenda da foto: O PRESIDENTE NÉSTOR Kirchner abraça eleitores na província de Catamarca: luta para assumir o comando do peronismo