Título: AMAZÔNIA: DESMATAMENTO SERIA MAIOR
Autor: Juliana Braga/Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 21/10/2005, O Mundo/Ciência e Vida, p. 34

Estudo internacional causa controvérsia ao indicar que devastação da mata é o dobro da estimada

Estudo publicado na edição de hoje da "Science" sustenta que a devastação da Amazônia é cerca de duas vezes maior do que se acreditava, provocando uma polêmica internacional. Assinada por pesquisadores americanos e brasileiros, a pesquisa leva em conta, pela primeira vez, o corte seletivo de árvores - que não é contabilizado nos números oficiais do país. Mas o governo já reagiu, classificando os novos dados de superestimados.

Há décadas, apontam os autores do novo estudo, madeireiras da região vêm praticando o chamado corte seletivo, muitas vezes ilegalmente, em que somente alguns tipos específicos de árvore (normalmente as de madeira mais cara) são extraídos. O estrago seria encoberto pela copa da floresta para os satélites normalmente usados para computar áreas desmatadas.

Mas a destruição seria dramática, segundo o estudo: uma área de 12,1 mil quilômetros quadrados a 20,6 mil quilômetros quadrados. Pior, dizem, além de causar um impacto considerável sobre plantas e animais, contribuir para a erosão do solo e facilitar incêndios, o corte seletivo estaria fazendo com que 25% a mais de CO2 (o principal gás do efeito estufa) sejam lançados anualmente na atmosfera.

Método convencional não captaria devastação

Para enxergar através da copa as árvores mais altas, a equipe contou com um novo sistema de satélite de altíssima resolução, desenvolvido por cientistas da Instituição Carnegie e da Universidade de Stanford, ambas nos EUA.

- Quando se extrai duas ou três árvores de uma determinada área, não é muito fácil detectar a destruição porque a floresta se recupera e as imagens feitas por satélite não chegam a registrar a destruição que já ocorreu - explicou o pesquisador José N. Silva, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Amazônia Oriental, que, junto com o cientista Paulo Oliveira, da Instituição Carnegie de Washington (EUA), compõe o grupo brasileiro da equipe.

O assunto é polêmico porque envolve interesses de Brasil e Estados Unidos. O volume oficial de emissões de CO2 decorrente da devastação da Amazônia já coloca o Brasil entre os dez maiores emissores do mundo. Com o acréscimo sugerido pelo estudo, o país pode ficar entre os grandes poluidores, o que seria um ótimo argumento para os americanos pressionarem por uma política de redução de emissões diferente da estabelecida pelo Tratado de Kioto - que prevê reduções apenas para os países ricos e, justamente por isso, não foi ratificado pelos EUA.

- Achamos que os números são superestimados - sustentou Gilberto Câmara, coordenador-geral de Observação da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). - Para que a emissão de CO2 seja 25% a mais, eles fazem o cálculo com base numa extração de 50 milhões de metros cúbicos de madeira num único ano. As estimativas do Imazon (ONG do Pará especializada no tema) são de 30 milhões de metros cúbicos. Seria um aumento de quase 50%. Simplesmente não existe indústria suficiente para processar toda essa madeira.

Além disso, afirma Câmara, haveria erros metodológicos no estudo da "Science".

- Algumas áreas computadas nos parecem erros - diz o pesquisador brasileiro. - Há áreas em que a floresta é menos densa naturalmente, em que há afloramentos rochosos. Há buracos na vegetação que não são necessariamente causados pelo homem. Mas se tudo isso for computado como vegetação cortada, teremos um número mais alto.

Metodologia do estudo seria falha, diz Inpe

Câmara sustenta que a metodologia usada no estudo teria sido validada em apenas três áreas da vasta floresta, o que pode causar distorções em razão da diversidade da vegetação na região. O pesquisador do Inpe reconhece, no entanto, que calcular a área degradada pelo corte seletivo é importante para as estatísticas de desmatamento e também de emissões de CO2. Segundo ele, o instituto já testa metodologias para fazer o cálculo.

- Nós sofremos a pressão da competição científica, mas também a de ser um órgão de estado - explicou. - Para fazer um cálculo desse não se pode simplesmente achar que o que vale para uma área vale para o resto. São diferentes tipos de floresta, de relevo e de história geológica que geram uma grande diversidade numa região do tamanho da Europa. Por isso, temos que checar e rechecar tudo, o que talvez um pesquisador que mande um artigo para uma revista não tenha necessidade de fazer.

O pesquisador americano Michael Keller, do Serviço Florestal dos EUA, um dos autores do estudo, afirmou, por sua vez, que os números encontrados não chegaram a surpreender, uma vez que coincidem com outras evidências previamente levantadas.

- Era esperado ser o dobro como já apontavam os próprios números do governo brasileiro sobre comércio de madeira amazônica e um levantamento publicado na "Nature" em 1999 nas madeireiras da região - disse Keller.

* Do Globo Online