Título: Mais união entre civis e militares
Autor: Luiza Damé
Fonte: O Globo, 09/11/2004, O país, p. 3

Num recado claro aos comandantes das três Forças Armadas, especialmente ao comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, que se envolveu numa crise com o ex-ministro José Viegas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, durante seu discurso na posse do vice-presidente José Alencar na Defesa, que a indicação do vice significa que, em seu governo, o Ministério da Defesa é levado a sério:

¿ Se alguém, algum dia, no Brasil, não quis levar a sério o Ministério da Defesa ou achou que era um ministério para não ser levado muito em conta, é importante que vocês saibam: no meu governo ele é levado tão a sério que primeiro foi um embaixador, da qualidade do Viegas, e segundo é um homem da importância da República, como o companheiro José Alencar.

Na solenidade, o vice se emocionou com os elogios do presidente e chegou a chorar. Na platéia, além de ministros, governadores, deputados e senadores, os três comandantes ¿ Albuquerque (Exército), Luiz Carlos Bueno (Aeronáutica) e Roberto Carvalho (Marinha) ¿ e oficiais das Forças Armadas.

Apesar do tom duro de parte do discurso, o presidente também pediu mais união entre civis e militares. E disse que espera ver, em seu governo, o fim da dicotomia entre servidores civis e militares.

¿ Gostaria que ninguém fosse obrigado a pagar o resto da vida por coisas das quais muitas vezes nem participou. E que a gente pudesse terminar este governo mais irmanado do que em qualquer outro momento da nossa História, entre sociedade civil e os militares brasileiros ¿ afirmou.

O presidente disse que a sociedade civil, do ponto de vista dos princípios democráticos, está mais preparada e calejada e trabalha para avançar na conquista da sua cidadania. As Forças Armadas, segundo ele, têm cumprido suas obrigações e colaborado com os projetos do governo. Lula contou que, ao receber o pedido de demissão de Viegas, tentou convencê-lo a mudar de idéia. Diante da negativa, pensou imediatamente em Alencar:

¿ Não pensei em dois nomes porque acho que José Alencar é o que nós temos, hierarquicamente, depois do presidente da República, de mais representativo para exercer essa função tão nobre. Para substituir o embaixador Viegas, convoquei ninguém menos que o vice-presidente da República, numa demonstração da importância que atribuo à pasta da Defesa e da minha determinação de mantê-la em mãos competentes e seguras.

Crítica aos militares dos Estados Unidos

Lula não fez referência a eventual mudança no comando do Exército. No discurso, elogiou não só o vice, mas também Viegas, citando ações do Ministério da Defesa nesses 22 meses de governo. Entre elas, o presidente destacou: o fortalecimento da presença das Forças Armadas na Amazônia, a revitalização do programa espacial brasileiro, a reativação do Correio Aéreo Nacional (CAN), a regulamentação da Lei do Abate e a participação das Forças Armadas em missões de paz da ONU, como ocorre no Haiti.

Ao falar do Haiti, Lula criticou a atuação dos Estados Unidos nesse tipo de missão e disse que as tropas brasileiras não vão agir como polícia:

¿ Se nós não estivéssemos lá, lá estariam os militares americanos, fazendo o que jamais os militares brasileiros vão fazer, porque a orientação é que nós não iremos cumprir nenhum papel de polícia, mas iremos tentar manter a paz até que aquele país possa, no próximo ano, convocar eleições e ter um presidente, um governo legitimamente eleito pelo voto direto.

O presidente chamou Viegas de amigo e disse que ele sai do ministério, mas, cotado para assumir a embaixada brasileira na Espanha, não deixará o governo. Em seu discurso de despedida, Viegas relatou suas ações no Ministério da Defesa e disse que não falaria do episódio que levou à sua demissão porque manifestou-se anteriormente a respeito. Viegas disse que a regulamentação da Lei do Abate permite maior controle do espaço aéreo brasileiro, inibindo atividades do narcotráfico. O ex-ministro descartou risco para a aviação comercial:

¿ Não queremos derrubar pequenas aeronaves, mas sim o de dissuadir a prática do crime transnacional. Procedimentos rigorosos reduzem a margem de erro a praticamente zero.

Segundo Viegas, no governo Lula, houve um incremento no orçamento das Forças Armadas, inclusive com revisão da remuneração dos militares, que deverá ser concluída ano que vem. Ele informou que de 2003 até este mês, houve aumento de 70% no orçamento do Ministério da Defesa, com prioridade para investimentos no reaparelhamento das Forças Armadas.

¿ Logramos reverter o ciclo orçamentário negativo para as Forças Armadas, que durava mais de uma década. O presidente deu início à correção da remuneração dos militares, que se encontrava defasada, processo que deverá ter prosseguimento no próximo ano, e deixou resolvida a questão previdenciária ¿ disse Viegas.