Título: `O ESTADO É RESPONSÁVEL PELA INSEGURANÇA¿
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 22/10/2005, O País, p. 11

Atualmente, testemunhamos um tiroteio verbal entre quem rejeita a proibição do comércio de armas de fogo e munição e quem acredita que viveremos num mar de rosas se todos os cidadãos forem desarmados ¿ na realidade, um sofisma oferecido pelo governo para se isentar de culpa na escalada da violência e da criminalidade.

Quem desconhece a realidade? Ora um soldado, premido por problemas financeiros, furta material bélico de um quartel, para vendê-lo a um traficante; ora um contrabandista fornece fuzis automáticos a uma organização criminosa; ora uma pistola aparece na mão de um menino assaltante.

Há ainda o reverso da medalha, como o caso de quem nunca disparou um tiro, mas que, se tivesse à mão uma arma, não vacilaria em usá-la, não para liqüidar um desafeto, praticar tiro ao alvo ou matar passarinho, e sim para escapar de um assalto.

Será que essas situações, somadas aos assassinatos que poderiam ser evitados, à imperícia no manejo de armas, à facilidade com que se obtém um revólver etc, justificariam a proibição geral do comércio defendida por parlamentares, ONGs e entidades civis?

Por mais respeitáveis que sejam os argumentos pró e contra proibir, o fundamental para o eleitor é avaliar se pode confiar em governos que, em matéria de segurança pública, fizeram pouquíssimo pela população. Nenhum chefe de família que põe grades nas janelas, fecha vidros do carro, contrata seguranças para se proteger e ensina seus filhos a não saírem à noite, o que inclui milhões de brasileiros, aceita o sofisma proposto pelo governo.

Como votar a favor da proibição se não somos nós, mas o Estado brasileiro o grande responsável pelo descalabro da segurança? Como proibir o comércio de armas e munição se traficantes estocam arsenais nas favelas?

No Brasil, até as pedras sabem que um homicida dificilmente deixa de matar porque sua vítima não empunha uma arma, que criminosos não compram revólveres nas lojas, que os traficantes que guarnecem seus redutos têm munição barata, custeada pelo tráfico de drogas.

A questão proposta pelo referendo ¿ ¿O comércio de armas de fogo deve ser proibido no Brasil?¿ ¿ encerra um farisaísmo que poderá levar a sociedade brasileira a, literalmente, ¿entrar pelo cano¿, dependendo do êxito ou do malogro dos programas sociais do governo.

Não será a proibição ou a liberação desse comércio que nos tornará um país menos ou mais violento do que já é se o governo não implementar seriamente políticas sociais que reduzam a pobreza e a miséria.

MIGUEL JORGE é jornalista