Título: OAB: STF CONTRARIAR NORMA AO SOLTAR MALUF É `PRECEDENTE PERIGOSO¿
Autor: Bernardo de la Peña e Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 22/10/2005, O País, p. 13

Relator volta a justificar decisão: `Meu voto demonstrou a violência que estavam praticando contra dois cidadãos¿

BRASÍLIA. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ignorar uma súmula editada pelo próprio tribunal para conceder a liminar que libertou Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo, e seu filho Flávio Maluf foi criticada ontem pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato. Os réus são acusados de corrupção passiva, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

¿ Considero um precedente perigoso o STF conceder hábeas-corpus contrariando súmula do próprio tribunal ¿ afirmou Busato.

A norma interna recomendava que o STF não julgasse hábeas-corpus que não tivera o seu mérito julgado pela instância inferior ¿ no caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Súmula é uma orientação sobre como o tribunal costuma decidir em casos semelhantes. Na quinta-feira, metade dos ministros do STF apoiou a decisão do relator, Carlos Velloso, de passar por cima da norma.

Em decisão empatada, praxe é beneficiar o réu

Como a praxe no Judiciário é que a decisão considerada em caso de empate seja em prol do réu, venceu a tese de Velloso. Com isso, o STF considerou que valeria a pena criar uma exceção à regra, pois os Maluf teriam sido presos de forma ilegal. Ontem, Velloso voltou a defender sua decisão:

¿ Não é possível que a Corte constitucional, diante de um atentado a uma garantia constitucional, possa fechar os olhos. Meu voto demonstrou ontem a violência que estavam praticando contra dois cidadãos. Agora, se gostam ou não deles, isso é outra coisa. A Constituição tem de ser cumprida doa a quem doer, chateie ou alegre a quem for.

Em 21 de setembro, o ministro Gilson Dipp, do STJ, negou-se a examinar o mesmo pedido de liminar que beneficiaria Flávio Maluf. Isso porque também vigora no tribunal uma súmula idêntica à que foi desrespeitada pelo STF. Em seu despacho, Dipp explicou que não poderia julgar o assunto sem que antes o Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo decidisse sobre o mérito. Se Dipp analisasse o pedido de liminar, ocorreria o que no meio jurídico se chama de supressão de instâncias.

O presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, preferiu não comentar a decisão do STF.

¿ Cada um faz a sua parte, nós fazemos a nossa e o Supremo faz a dele ¿ disse Vidigal.

As súmulas, no STJ e no STF, foram criadas para se evitar que um tribunal de instância superior dê uma liminar em um sentido e o inferior decida de forma diferente. A norma foi editada em setembro de 2003 pelo STF diante de uma jurisprudência já consolidada nesse sentido. Foram compiladas, à época, dez decisões tomadas da mesma forma por ministros do tribunal em anos anteriores. Logo em seguida, o STJ achou prudente adotar a mesma súmula.

No julgamento de quinta-feira, antes de ser analisado o pedido dos Maluf, a aplicação da súmula dividiu o plenário. Além de Velloso, outros três ministros disseram que o caso era uma exceção e que, por isso, a norma deveria ser ignorada. Concordaram com o relator Marco Aurélio de Mello, Ellen Gracie Northfleet e Nelson Jobim. Do outro lado estavam Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto, Eros Grau e Joaquim Barbosa.

Velloso argumentou que prisão fora indevida

Para convencer os colegas, Velloso argumentou que os Maluf estavam detidos indevidamente. A acusação que motivou a ordem de prisão foi a de que ambos estariam aliciando uma testemunha, o doleiro Vivaldo Alves, conhecido como Birigüi. O ministro lembrou que o doleiro não é testemunha, mas sim co-réu. Segundo Velloso, não há nada na legislação que impeça o diálogo entre dois réus em um mesmo processo, pois eles teriam direito a combinar uma estratégia de defesa em comum.

¿ Vamos pedir a retirada do processo da documentação que veio da Suíça. Essa documentação é ilegal ¿ disse Ricardo Tosto, que representa Maluf na esfera cível.

A Justiça suíça diz que não autorizou o uso dos documentos para processar Maluf por sonegação fiscal, que não é crime lá. Os documentos comprovariam o envio de US$400 milhões por parte dos Maluf para contas naquele país.

O advogado de Flávio Maluf, o criminalista Roberto Batochio, voltou a criticar ontem o fato de o doleiro ter sido incluído como testemunha:

¿ O STF fez justiça, já que o doleiro não poderia ser testemunha. Ele também é réu.

COLABOROU: Flávio Freire, de São Paulo