Título: `DESCONFIO DA PRESSA DO REFERENDO¿
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 23/10/2005, O País, p. 8

Os eleitores brasileiros terão que decidir se proíbem ou não a comercialização de armas e munição em todo território nacional. Motivos do ¿Não¿ e do ¿Sim¿ à parte, quero externar outra preocupação: a pouca informação aos brasileiros e o açodamento do referendo que decidirá uma questão de soberania nacional.

A pergunta é feita pelo avesso, o que, por si só, confundirá os eleitores (o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?). Minha empregada disse: ¿Vou votar não, pois acho que as pessoas não devem andar armadas¿. Ou seja, ela é contra, mas vai votar a favor. E pior: hoje somente pode andar armado quem tem porte de arma. Do contrário, é crime e pode ser preso. O cidadão comum não compra uma arma na loja como se comprasse uma camisa. Há uma burocracia infindável. Tudo porque, desde a pergunta, não há o esclarecimento necessário. É a pressa. A questão deveria ser fruto de um debate nacional em cadeia de rádio e TV com, pelo menos, um ano de antecedência. Associações de classe, bairro, sindicatos, universidades públicas e privadas, Forças Armadas e demais segmentos da sociedade deveriam reunir pessoas que entendessem do assunto para que a população pudesse ouvir vozes abalizadas e não de artistas e cantores, que nada entendem sobre o assunto. Até porque, em regra, andam com seguranças armados até os dentes. Logo, é fácil decidir que o outro não pode ter arma em casa.

Com todo respeito, cantores sabem cantar e compositores sabem compor, mas não entendem nada sobre segurança pública para discutirem o assunto ou fazer campanha contra ou a favor do desarmamento. O direito ao voto é uma coisa; o dever de instruir e esclarecer é outro bem diferente e estes competem às autoridades que militam na área, mas que pouco, lamentavelmente, têm se manifestado como deveriam fazê-lo.

Ademais, o referendo retirou o valerioduto das capas dos jornais e revistas fazendo com que, em pouco tempo, seja esquecido. Trata-se do efeito pára-vento da mídia.

A questão não é apenas como o cidadão comum irá se defender, mas sim como o Estado brasileiro irá assegurar sua soberania perante outras nações, se houver uma agressão estrangeira à nossa Amazônia, por exemplo, onde, inclusive, estão 20% de toda a água do planeta; e o Tio Sam tem interesse nela.

As armas douradas que, ultimamente, estão sendo apreendidas pela polícia, no Rio de Janeiro, foram compradas em lojas comerciais da cidade? Enfim, gostaria de debater mais o assunto.

Diante disto tudo, desconfio da pressa do referendo e do que está por trás dele e voto ¿Não¿.

PAULO RANGEL Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e professor da UCAM