Título: ARMAS E DEMOCRACIA
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 23/10/2005, O País, p. 8

Temos o direito de usar arma de fogo para autodefesa? Este é o mote da campanha do ¿Não¿. O único país democrático que garantiria esse direito são os EUA, com a Segunda Emenda, de 1791, quando se resistia à ameaça dos ingleses e se dizimava índios. Controversa, a emenda nunca foi referendada pela Suprema Corte. Massachusetts proíbe armas para civis e tem o mais baixo índice de mortes por arma de fogo; o Alaska libera o uso e é o mais violento estado americano.

Nem o direito internacional nem os regimes democráticos admitem o direito ao uso de arma para autodefesa. Afirmam como direito básico a proteção à vida, o direito à segurança, garantidos pelo Estado e não pelo indivíduo.

O argumento da ¿legítima defesa¿ se baseia em dois pressupostos: é reação à agressão atual ou iminente e não ato premeditado (art. 25 do Código Penal) e não é um direito absoluto porque viola o direito de terceiros à vida, este sim absoluto, posto em risco. O cidadão tem direito à legítima defesa, mas é ilusão achar que a arma vai garanti-la.

É papel do Estado democrático proteger a coletividade de atos periculosos, como faz com proibindo o excesso de velocidade e o álcool ao dirigir, fumo em locais públicos fechados etc. A reação inicial à intervenção é logo superada por seus resultados positivos e pela compreensão de que democracia é liberdade responsável e não absoluta. O referendo nem intervenção é, muito menos imposição.

O ¿direito às armas é uma conquista a ser defendida¿? Quem o conquistou? No regime militar era muito mais fácil comprar armas do que na democracia de FH. O que está para ser conquistado é o direito à segurança pública. ¿As ditaduras desarmam o povo?¿ Desarmam a oposição para defender o regime. As democracias fazem o desarmamento civil, em nosso caso voluntário e votado, para aumentar a segurança da população.

Se o Estado não protege o cidadão, a saída democrática é pressioná-lo a reformar a polícia, e não substituí-lo, um retrocesso ao fascismo ou ao privatismo da doutrina Bush.

Caracterizar o ¿direito ao uso de armas¿ como luta pela democracia e pela liberdade é uma manipulação esperta. Chegaram a usar a imagem de Mandela, um dos líderes mundiais pelo desarmamento, que protestou com a Frente do ¿Não¿. A apropriação pelos conservadores da tradição libertária é ainda mais escandalosa quando apregoa ¿o direito da mulher à proteção das armas¿, logo elas, grandes vítimas da violência masculina: quatro em cada dez brasileiras mortas por arma de fogo são assassinadas pelo seu parceiro íntimo.

Vote ¿Sim¿ contra o atraso e pelo início da reforma da segurança pública! Vote 2 pela democracia!

ANTÔNIO RANGEL BANDEIRA cientista político do Viva Rio