Título: ARMA É PORTA DE ENTRADA DO JOVEM NO CRIME
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 23/10/2005, O País, p. 8

Mais de 50% dos internos da Febem tiveram contato com armamento; tiros são a maior causa de morte de 15 a 24 anos

SÃO PAULO. Aos 14 anos, X. foi preso depois de usar uma pistola automática para assaltar a bilheteria do Metrô Itaquera, em São Paulo. João, de 20 anos, viu um revólver pela primeira vez há seis anos, na escola onde estudava, na Cidade Tiradentes, periferia da capital paulistana. De lá para cá, assaltou, seqüestrou e até formou quadrilha para roubar carga. Sandro, de 26 anos, lembra com remorso da crise de ciúmes que o levou a apontar a arma para a namorada.

De diferentes classes sociais, os três engrossam hoje as estatísticas que dão conta do envolvimento cada vez maior de jovens com armas de fogo e que acabam levando a uma juventude perdida. Os que não morrem antes de se tornarem adultos acabam engrossando as unidades da Febem onde já estão sete mil jovens de São Paulo, mais da metade privados da liberdade depois de usar uma arma de fogo.

Óbitos de 15 a 24 anos cresceram 742,9% em 24 anos

Envolvidos em crimes ou vítimas, os jovens estão morrendo mais de tiros do que em decorrência de doenças. Uma pesquisa da Unesco revela que das 550 mil pessoas mortas entre 1979 e 2003 vítimas de disparos de armas de fogo, 205.722 (44,1%) foram jovens com idades de 15 a 24 anos. Um crescimento de 742,9% dos óbitos nessa faixa etária em 24 anos. Nesse período, a população do país cresceu 51,8%. De acordo com a pesquisa, um em cada três jovens que morrem no país é ferido por bala.

¿ O envolvimento de jovens com armas de fogo encontra explicações na necessidade que eles têm de mostrar que são imbatíveis. Embora falsa, a sensação faz com que enfrentem o medo, e agridem, roubam, matam ¿ diz a educadora Miriam Abramovay, responsável por uma pesquisa que mostra que 35% dos alunos já viram algum tipo de arma dentro da escola.

Em 2003, jovens mortos por tiros foram 41,6% das vítimas

O crescimento da mortalidade juvenil por armas de fogo aumenta progressivamente a participação dos jovens na contabilidade das chamadas ¿mortes matadas¿ por disparos de revólveres, pistolas ou até fuzis. As 2.208 mortes de jovens de 15 a 24 anos em 1979 (somando acidentes, homicídios e suicídios) representavam 31% do total de vítimas de armas de fogo no Brasil. Em 2003, os 16.345 jovens que morreram a tiro representaram 41,6% do total de vítimas.

Ainda de acordo com a sondagem, as armas de fogo estão em primeiro lugar no ranking sobre as causas de mortalidade juvenil, responsáveis por 16.345 óbitos, seguidos dos acidentes de transporte (7.492), suicídios (1.667), doenças do coração (879), pneumonias (656), HIV (606), entre outros.

O ritmo violento de crescimento das mortes de jovens por disparos de armas de fogo no país tem sido registrado em escala bem maior do que na população em geral. As mortes a bala na população passaram de 1% a cada cem mil habitantes, em 1979, para 3,9%, em 2003. Entre os jovens, as taxas pularam de 7,9% para 34,4% por cem mil habitantes.

¿ Para o jovem, a arma tem um atrativo simbólico, já que eles ainda não têm identidade muito bem definida. Assim como acham que é preciso ter um tênis, uma moto ou um carro, acreditam que precisam ter arma para conseguir a sensação de poder ¿ diz o sociólogo Túlio Khan, ex-diretor do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). Ele acrescenta:

¿ Até 1997, se alguém que já tivesse até cumprido pena e fosse pego com arma de numeração raspada cometeria apenas contravenção. Assim, o estoque de armas no país foi se acumulando e chegou a 17 milhões.