Título: O calvário do ex-poderoso na busca por votos
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 23/10/2005, O País, p. 16

Ao contrário do tempo em que era ministro, quando deputados o assediavam, Dirceu hoje é até evitado por colegas

BRASÍLIA. Acostumado às reverências que lhe foram dispensadas durante anos por ser um dos principais líderes da esquerda brasileira e, depois, aos mimos do poder nos 30 meses em que comandou a Casa Civil do governo Lula, o deputado José Dirceu (PT-SP) passou a enfrentar nos últimos 150 dias todo tipo de humilhação para tentar salvar seu mandato. Diferentemente dos tempos de Palácio do Planalto, quando parlamentares de todas as legendas disputavam minutos preciosos da sua agenda, agora é Dirceu quem corre atrás dos 512 colegas da Câmara na peregrinação incessante, e quase obsessiva, para tentar provar que é inocente.

A mudança de 180 graus na vida política de Dirceu ocorreu em junho, quando ele foi acusado pelo deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ) de ser o comandante do mensalão, o suposto esquema de corrupção para recompensar financeiramente parlamentares em troca de votos favoráveis ao governo. Desde que voltou à planície Dirceu tem passado por todo tipo de dissabor. Nesse período, emagreceu dez quilos e já reclama que o organismo começa a sentir o peso de tanto desgaste.

Até a última sexta-feira, Dirceu já tinha conseguido falar pessoalmente com cerca de 300 deputados. E ouviu muito desaforo. Vai pessoalmente a gabinetes e diariamente faz um corpo-a-corpo intenso no plenário da Câmara, mesmo quando são raros os parlamentares presentes. Vários deputados, no entanto, evitam falar com ele ou respondem de forma atravessada.

¿ Eu estou passando por um calvário. Esta é a minha ¿Paixão¿, o meu martírio. Estou recebendo chibatadas. Mas o que vai entrar para a história não é o que eu senti, mas sim as injustiças a que fui submetido nesse processo ¿ desabafou Dirceu para um amigo na semana passada.

Sem o apoio de antigos aliados

Dirceu não deve conseguir reverter a tendência por sua cassação até o dia da votação de seu processo no plenário da Câmara, que deverá ocorrer em 8 ou 9 de novembro. Ele mesmo já reconhece que perderá seu mandato. Chegou a dizer isso com todas as letras para o deputado Jáder Barbalho (PMDB-PA). Ressente-se da falta de apoio dos antigos parlamentares que antes o bajulavam. Ressente-se também da omissão de Lula nesse processo e de antigos aliados, como o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).

O Palácio do Planalto não vai mexer um dedo para favorecê-lo na reta final. Pelo contrário. Ao voltar da Europa, o presidente Lula lavou as mãos e sentenciou o destino do ex-chefe da Casa Civil em conversas reservadas:

¿ O Zé escolheu o destino dele. Ele não tem o direito de cobrar nada do governo.

Nas últimas semanas, o ex-ministro tem ficado até tarde da noite telefonando para os deputados. Alguns nem retornam as ligações.

¿ Ele nunca me atendeu, por que vou atendê-lo agora? ¿ desabafou semana passada o deputado José Prianti (PMDB-PA) para os colegas de bancada.

O deputado Max Rosenmann (PMDB-PR) foi mais cruel. Depois de receber a carta de defesa de Dirceu, devolveu-a para o gabinete do ex-chefe da Casa Civil, com um bilhete: ¿O senhor nunca atendeu às ligações. Sempre foi de um silêncio indelicado. Nunca tive uma resposta do senhor. No meu gabinete, não aceito a sua defesa¿.

¿ Ele nunca me atendeu. Só recebia em seu gabinete na Casa Civil pessoas que o interessavam ou de quem esperava receber lucro. Esse Dirceu é uma pessoa estranha. Você nunca deve confiar numa pessoa que muda de rosto. Ele sempre usou a mentira para conviver. Portanto, não sei agora o que é mentira e o que é verdade, se quem fala agora é o Dirceu ou o Pedro Caroço ¿ disse Rosenmann, numa referência ao apelido de Dirceu durante o período que viveu na clandestinidade, na década de 70, no interior do Paraná.

Alguns deputados são ironicamente dissimulados com o ex-ministro. Na campanha para conseguir votos, ele telefonou para o deputado Oliveira Lima (PL-PR).

¿ Me ajude ¿ pediu Dirceu.

¿ Fique tranqüilo. Eu sempre ajudo quem me ajuda e você me ajudou tanto no ministério que tenho a obrigação de ajudá-lo agora.

Esse diálogo foi contado pelo próprio Oliveira Lima na liderança do PL na Câmara. Ao concluir o relato, o deputado paranaense sentenciou:

¿ Eu sei qual é a ajuda que Dirceu vai ter de mim. Vou ajudar a empurrá-lo ladeira abaixo.

O mesmo sentimento é compartilhado por parlamentares de outros partidos. Até quem ainda não recebeu telefonemas de Dirceu mostra má vontade.

¿ Se ele me telefonar para pedir o meu voto vou mandar ele procurar ajuda com o senador ACM, que era o seu amigo na Bahia. É engraçado esse Dirceu. Tudo que ele critica agora, ele fez com o (os ex-deputados) Genebaldo Corrêa e Ibsen Pinheiro. Por tudo isso, não tenho pena nenhuma do Dirceu ¿ disse o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), lembrando que o petista foi um dos responsáveis pela cassação dos deputados conhecidos como anões do Orçamento.

Mesmo determinado a provar que não há provas contra ele, Dirceu não esconde o abatimento. Mas ainda tenta escapar de uma cassação humilhante. Por isso, segue procurando amigos e inimigos, aliados e adversários. Apela até para encontros sigilosos, como fez semana passada com o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE). A conversa foi no Hotel Meliá de Brasília, onde pediu para Severino tentar usar a influência que ainda tem na Câmara, apesar da renúncia.

Dirceu quer fechar um acordo com o PP. Chegou a procurar o líder do partido, José Janene (PR), que também corre o risco de ser cassado. Pelo acordo, a bancada do PP e o grupo de petistas fiéis a Dirceu votariam contra a cassação dos mandatos dos deputados dos dois grupos que estão com processos no Conselho de Ética. Isso não garante que as cassações sejam evitadas, mas impediria uma votação esmagadora no plenário da Câmara.