Título: ABAIXO DO `STATUS¿ DA FAVELA
Autor: Alessandro Soler e Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 23/10/2005, Rio, p. 19

Estado tem quase 300 mil famílias à espera de um teto, ainda que seja um barraco

O Estado do Rio tem hoje um exército de sem-teto e um déficit habitacional que alcança 293.848 moradias, revela estudo inédito da Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (Cide). Esse número equivaleria à necessidade habitacional de quase 1,2 milhão de pessoas e corresponde a 6,89% das 4,2 milhões de residências fluminenses. Em números absolutos, o déficit aumentou em 12.032 residências entre 1991 e 2000, diz a pesquisa, que teve como base dados do Censo do IBGE.

Enquanto isso, o déficit relativo caiu de 8,36% para 6,89% do total de moradias em nove anos. A queda é atribuída pelo Cide a ¿questões macroeconômicas gerais¿. Mas a aparente melhora pode dever-se em parte à migração de sem-teto para favelas. É que, pela metodologia do estudo, nem todas as moradias nas chamadas aglomerações subnormais (as favelas) são consideradas déficit, mas apenas as construções precárias. Dados do Censo mostram que, entre 1991 e 2000, passaram de 313.284 para 387.729 as moradias nessas aglomerações. Em 2004 eram mais de 424 mil, aumento de 35% em 13 anos.

¿ Sem condições de moradia, na melhor das hipóteses alguns acabam nas áreas mais empobrecidas das favelas. Outros ficam mesmo na rua ¿ conclui o professor Luiz Antônio Machado da Silva, coordenador do UrbanData Brasil, núcleo de estudos do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). ¿ Só há uma possibilidade de acabar com o déficit: subsídio estatal. Quem mora em habitação precária ou na rua não tem dinheiro.

Solução do déficit custa R$ 7,4 bi

No estudo do Cide, que visa a orientar políticas públicas, foram contabilizadas as famílias que vivem na rua, em moradias improvisadas ou em áreas de risco (12.583), em casa de parentes (243.923) e em cômodos cedidos ou alugados por valor superior a 30% da renda dos ocupantes (37.342). Segundo estimativa do diretor-executivo da fundação, Ranulfo Vidigal, para erguer esse total de 293.848 casas seriam necessários R$ 7,4 bilhões ¿ R$25 mil por unidade de sala, quarto, cozinha e banheiro. As obras, diz ele, gerariam 120 mil empregos.

¿ Para resolver o problema do déficit habitacional do Rio é fundamental haver uma política nacional articulada com o governo do estado e os municípios ¿ propõe Vidigal.

Enquanto tal articulação não passa de sonho, um sem-número de famílias vive em áreas de risco como a comunidade Bandeira 1, em Maria da Graça. Lá, 57 barracos de madeira e lata espalham-se entre as linhas do trem e do metrô, sob um viaduto da Avenida Automóvel Club atingido por um incêndio em 2003. Com o fogo, dezenas de famílias perderam tudo e tiveram promessas de remoção da prefeitura, que as cadastrou. Até agora, ninguém saiu. Mas muitos chegaram.

¿ Depois de enrolar todo mundo, a prefeitura mudou o discurso: disse que daria material de construção, desde que a gente encontrasse terreno. Meu Deus, quem aqui tem condições de fazer a parte mais difícil? ¿ exalta-se Márcia Oliveira, moradora de um barraco de cinco metros por cinco com o marido e cinco filhos.

A mudança para uma favela, ainda que dominada pelo crime, parece-lhe uma alternativa. Também é para o pedreiro Wilson das Neves, dos mais antigos moradores de uma invasão na Zona Portuária. Ele vive há oito anos com outras dezenas de famílias num conjunto de prédios penhorados ao Banco do Brasil e em disputa judicial, na Rua Equador. Nunca foi cadastrado em programa habitacional.

¿ Estou fazendo essa nova casinha aqui dentro. Na atual chove sempre. Não me dão emprego porque não tenho comprovante de residência, embora eu seja um bom pedreiro. Ninguém que mora aqui tem carteira assinada ¿ relata Wilson, enquanto ergue uma parede.

O déficit da cidade do Rio é alto: 7%, pouco acima da média do estado. Faltam, diz o Cide, 126.612 habitações na capital. Mas na Região Metropolitana o maior déficit é em Seropédica (8,83%), onde vivem abaixo da linha de pobreza (ou com até R$31 por mês, segundo o Ipea) 15,6% dos moradores. Ainda no Grande Rio, Nilópolis tem déficit de 8,77% e 9,55% da população abaixo da linha de pobreza.

Longe dali, no Noroeste e Norte do estado, estão Italva e Cardoso Moreira, municípios com o menor déficit relativo (3,45% e 4,57%, respectivamente). Ambos perderam população na década de 90. Em contrapartida, Macuco, na Região Serrana, é a cidade com o maior déficit relativo: 12,90%. O secretário de Projetos Especiais da cidade, Elton de Freitas, diz que uma das causas é a atração exercida pelas fábricas de cimento instaladas ali.

Depois de Macuco, Porto Real tem o segundo maior índice: 10,60%. Lá a população cresce 4,3% ao ano, inchada com os migrantes atraídos pelas fábricas de automóveis. Para impedir que a situação se repita em mais um município, Itaguaí, onde será construído um grande pólo gás-químico, a Secretaria estadual de Habitação planeja construir conjuntos habitacionais por lá. Para o secretário, Fernando Avelino, a melhor maneira de atacar o problema é dar moradia primeiramente a quem não a tem e, depois, cuidar de favelas.

¿ A expansão de favelas não terá fim enquanto os governos forem populistas e não tiverem coragem de dizer: aqui não se pode construir e ponto. Precisamos criar uma lei de responsabilidade urbana, em que os governantes sejam punidos caso permitam a expansão. Paralelamente, tem de haver políticas de habitação ¿ prega Avelino, que diz estar construindo 12 mil moradias para a população de baixa renda.

O gerente regional do Serviço de Patrimônio da União (SPU), Paulo Simões, também cita ações para minorar o déficit. Segundo ele, o SPU busca parcerias com Caixa Econômica Federal, estado e prefeituras para regularizar moradias construídas em terrenos da União, desde que não estejam em áreas de risco ou proteção ambiental. Só na capital estima-se que haja 15 mil delas.

¿ Com as parcerias, as prefeituras se comprometerão a realizar o cadastramento, a fazer melhorias nas comunidades e a fiscalizar para não deixar as comunidades crescerem ¿ explica o gerente do SPU.

Procurada pelo GLOBO ao longo de toda a semana, a assessoria de comunicação da Secretaria municipal de Habitação não agendou entrevista com a secretária Solange Amaral.