Título: TECNOLOGIA DO PAÍS CHEGA AO FBI, MAS CORRE RISCO
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 23/10/2005, Economia, p. 33

Por falta de estratégias de empresários e governo, Brasil pode sofrer invasão estrangeira e perder mercados

ORLANDO. O Brasil é o sétimo maior produtor de tecnologia da informação (TI) do mundo. Mas, por falta de ousadia de muitos empresários e também de uma estratégia governamental específica, está correndo o risco deixar de conquistar mercados no exterior. Além disso, sofre a ameaça de uma invasão de firmas estrangeiras do setor, que planejam utilizar o país como trampolim para mergulhar no maior mercado do mundo: o dos Estados Unidos.

Os desafios ficaram claros ao longo da semana passada, durante o Gartner Symposium/ITxpo, o mais importante evento da indústria de TI, realizado na Flórida. Ali, um grupo de empresários brasileiros ¿ alguns já com uma pequena participação no mercado americano ¿ viram, claramente, que não há tempo a perder.

Alguns vendem software a multinacionais americanas e até mesmo ao governo dos Estados Unidos (Marinha, Departamento de Estado, FBI). Mas sua participação no mercado ainda é ínfima:

¿ É importante mostrar aos americanos que não viemos apenas testar o mercado, e sim para ficar ¿ disse Antonio Moreira, representante da Stefanini, em Fort Lauderdale, na Flórida, que, há quatro anos nos EUA, presta serviços a empresas farmacêuticas, financeiras e de telecomunicações.

TI rende US$300 milhões ao Brasil e US$25 bi à Índia

Enquanto a Índia exporta 70% (três quartos desse total para os EUA) de sua produção de software e serviços terceirizados em geral ¿ que este ano renderão US$25 bilhões ¿ o Brasil está exportando nada mais do que o equivalente a 1,5%. Ou seja: aproximadamente US$300 milhões.

Além disso, três das maiores empresas de TI da Índia já abriram escritórios no Brasil, assim como empresas da Alemanha, da Espanha e do Chile. Seu plano é investir na criatividade e na mão-de-obra nacionais (esta mais barata que em seus países) para fornecer serviços aos EUA.

A participação de brasileiros no simpósio da Gartner foi impulsionada por um desafio feito a eles pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan: aumentar em cerca de sete vezes as vendas externas. Ele quer ver o Brasil exportando o equivalente a US$2 bilhões em TI em 2007.

¿ O setor privado nos diz que isso é possível. Eu acho que temos todas as condições de ter um papel importante no mercado mundial de software ¿ disse Furlan.

O Brasil tinha seis estandes no pavilhão de exposições do simpósio da Gartner. Eles concentravam cerca de 200 empresas de serviços e desenvolvimento de tecnologia da informação, a maioria de pequeno porte, que se uniram sob um guarda-chuva institucional chamado Brazil IT, criado pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).

Se não exportar, empresário teme ser atropelado

Os empresários concluíram que, de fato, poderão avançar. Mas desde que, ao mesmo tempo, o governo faça sua parte:

¿ Falta uma política mais bem definida e estruturada para o setor. Não há entrosamento entre o ministério do Furlan e os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação. Furlan nos dá um impulso grande, mas os outros não estão conscientes de que precisam também entrar nesse jogo ¿ disse ao GLOBO o diretor-superintendente da Unitech, João Francisco Mendes Neto.

Sua empresa, sediada em Salvador, tem dez anos. E esta foi a primeira vez em que ele participou de um evento internacional de TI. O motivo, disse Mendes, era muito claro: percebeu que se não der um salto para fora do país, ficará para trás. Ou pior:

¿ Estou consciente de que preciso estar sintonizado nesse movimento de exportações, senão serei atropelado, serei dilacerado pela concorrência nacional e internacional.

Carlos Augusto Leite Netto, diretor da Matera Systems, de Campinas, que faz parte do consórcio ActMinds (que reúne dez empresas do setor), mostrou uma das falhas estruturais na guerra pela conquista de mercados externos.

¿ Se tudo sair como estamos planejando nesse esforço, e daqui a cinco anos estivermos fazendo sucesso, vai faltar mão-de-obra para manter esse êxito ¿ afirmou.

Netto e seus parceiros já sentiram isso na pele:

¿ Há pouco perdemos um projeto porque, para executá-lo, precisaríamos de 1.200 pessoas. Ou seja: o dobro do pessoal que todo o consórcio tem atualmente. E não havia disponibilidade dessa mão-de-obra. Conclusão: perdemos o projeto para a China.

Segundo Netto, o problema está no sistema educacional. Seria necessário revisar os currículos, atualizando-os; e, além disso, melhorar o nível da educação secundária, pois a grande massa dos trabalhadores na área de TI é arregimentada no nível médio.

¿ De cada dez pessoas que nós examinamos para um emprego, nove não passam no teste, seja ele de programação de computadores ou de matemática ¿ disse Netto.

(*) O repórter viajou a Orlando a convite da Apex-Brasil