Título: PARA DERROTADOS, GOVERNO TAMBÉM FOI AVALIADO
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Fonte: O Globo, 24/10/2005, O País, p. 4

Defensores do `Sim¿ e do `Não¿ dizem que crise influenciou votação; Bastos diz que Planalto só será julgado em 2006

SÃO PAULO. A ampla vitória do ¿Não¿ no referendo abriu uma discussão sobre a influência do governo no resultado da votação. Até dois artífices da campanha do ¿Sim¿, o vice-presidente da Frente do Sim, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), admitiram que a crise política contaminou o debate sobre o comércio de armas. Mas, para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o referendo não significou a aprovação ou a desaprovação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

¿ Foi uma manipulação, mas pegou. Virou um plebiscito contra a política de segurança e contra o governo ¿ disse Jungmann.

¿ Não tenho como avaliar se a votação foi um plebiscito contra o governo. Mas sei que a União é voluntariamente omissa na segurança. Faz pirotecnia e não investimentos ¿ completou Renan.

Já Bastos, que também votou no ¿Sim¿, disse que o julgamento do governo acontecerá no ano que vem:

¿ Não vejo como isso possa ser um plebiscito a favor ou contra o governo. A eleição que vai julgar o governo será no ano que vem.

Ele disse que, independentemente do resultado, o governo vai continuar com a fiscalização e o controle rigorosos do comércio de armas e munição.

¿ O referendo, em matéria de desarmamento, significaria o que? O aprofundamento do Estatuto do Desarmamento. Vamos continuar fiscalizando rigorosamente e o controle de armas vai continuar sendo um bem. Faz parte da política de segurança, é uma das medidas a favor da segurança pública.

Bastos afirmou que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso, já comentou sobre a possibilidade de realizar novos referendos de quatro em quatro anos:

¿ É a primeira vez que se faz o referendo. É um primeiro passo na direção do aprofundamento da democracia.

Para prefeito, `Não¿ foi protesto

O prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), que votou ¿Sim¿, afirmou que os eleitores que escolheram o ¿Não¿ estavam protestando contra o governo. Outro tucano, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também disse ter optado pelo "Sim". Segundo ele, o governo precisa fortalecer medidas para impedir o tráfico de armas. Já Serra, sem citar nomes, atacou o governo:

¿ Muitos que votaram ¿Não¿ protestaram contra as precárias condições de segurança no Brasil ¿ disse Serra.

Alckmin, por sua vez, afirmou que a proibição do comércio de armas provavelmente não resolveria os problemas de segurança, mas contribuiria para reduzir a criminalidade. Segundo ele, quem está preparado para andar armado é a polícia.

O deputado Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP), vice-presidente da Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa, criticou o que chamou de parcialidade do governo federal na campanha do referendo e afirmou que a vitória do ¿Não¿ é a reprovação dos eleitores à política de segurança pública do governo Lula.

¿ Não é um plebiscito sobre o governo. Mas o governo se envolveu sem necessidade e vai pagar o preço de uma derrota que não precisaria. A vitória do `Não¿ é um atestado da falência da política de segurança pública do governo federal.

Fleury lembrou que propôs ao governo que o referendo ocorresse em 2010, quando se poderia ter uma ¿análise científica¿ do Estatuto do Desarmamento. Segundo ele, quem teve pressa foi o próprio governo. Ontem, depois que o ministro da Justiça disse que pode-se referendar o resultado a cada quatro anos, o deputado ficou irritado.

¿ Quando eu quis fazer o referendo em 2010, o governo quis fazer com rapidez. Agora se ganha o `Não¿, eles pensam em novo referendo? Só pode ser brincadeira do ministro ¿ reclamou Fleury, que deve propor uma frente suprapartidária na Câmara, unindo adeptos do ¿Não¿ e do ¿Sim¿, para discutir com o Ministério da Justiça a implementação completa da lei do desarmamento.

Já o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que votou em São Paulo, engrossou o coro pelo ¿Sim¿ e criticou Fleury, dizendo que opinião do deputado é ¿equivocada¿.

¿ Não se pode dizer que o aumento do ¿Não¿ é uma resposta da população ao governo ¿ disse Aldo.

Aldo tentou despolitizar o referendo. Segundo ele, parlamentares de diversos partidos, inclusive da oposição ao governo, votaram pelo "Sim".

O diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, um dos coordenadores da campanha do ¿Sim¿, concorda, em parte, com os rivais do ¿Não¿:

¿ A associação do governo com a campanha do `Sim¿ fez com que muita gente votasse pelo `Não¿. O governo deveria ficar preocupado com isso.

O deputado José Dirceu (SP) se mostrou descontente com a realização do referendo. Favorável à proibição do comércio de armas, ele discordou da tese de que o referendo seja um julgamento do governo federal.

¿ Esse não é um julgamento do governo. É um julgamento se o Brasil deve ou não proibir o comércio de armas.

Dirceu é contra novos referendos

Dirceu disse ser contra a realização de novos referendos pelo menos no tocante à proibição de armas de fogo. De acordo com o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, já circula a proposta de realizar essa consulta pública aos eleitores a cada quatro anos.

¿ Votei `Sim¿ na expectativa de que o governo e a sociedade tomem uma série de medidas para impedir o contrabando de armas, o comércio ilegal e para garantir a reforma do sistema penitenciário ¿ disse Dirceu.