Título: RESULTADO REPROVA SEGURANÇA NO PAÍS
Autor: Chico Otavio e Jacqueline Costa
Fonte: O Globo, 24/10/2005, O País, p. 5
Especialistas lamentam voto conservador até nos setores mais populares
Partidários das frentes do ¿Sim¿ e do ¿Não¿ e especialistas alertaram que, mais do que atingir o governo, a vitória do ¿Não¿ expressou a crítica da sociedade às políticas públicas na área de segurança, praticadas em todas as esferas da administração e até por governos anteriores.
¿ A opção pelo `Não¿ acabou sendo um protesto contra a ineficácia desta política de segurança ¿ disse o cientista político Geraldo Thadeu Monteiro, sócio do instituto de pesquisas Instituto Brasileiro de Pesquisa Social.
O sociólogo Marcelo Ridenti, da Unicamp, diz que a discussão não vai acabar com o resultado do referendo. Para ele, é necessário agora, à luz do resultado, um esforço civilizatório para demonstrar à sociedade que não se combate violência com mais violência.
¿ Este resultado é uma tristeza. Mostra que ainda há setores populares que apóiam a matança. Há um senso comum, até nas camadas populares, que convivem com a violência no cotidiano, de que bandido é para matar.
Conservadores de olho em outras conquistas
O professor da Unicamp se confessou decepcionado com o referendo. Não pelo modelo de democracia direta, mas pelo tom emocional que as campanhas assumiram, frustrando o debate em torno das armas domésticas. Para ele, a força demonstrada pelos conservadores pode levá-los a buscar outras vitórias até em outros campos, como a rejeição à descriminação do aborto e à união civil entre pessoas do mesmo sexo.
¿ Alguns setores se sentiram reforçados depois da campanha para atacar esses temas num apelo direto à população, sem mediação. Pode ser até paradoxal, mas uma coisa tão interessante como o referendo sobre as armas, cuja idéia era apelar para a racionalidade, acaba tendo uma discussão invertida.
O delegado Wladimir Reale, da Frente pela Legítima Defesa, adiantou quais serão os primeiros alvos deste esforço. Com as ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), o objetivo é derrubar o dispositivo do Estatuto do Desarmamento que proíbe o uso das armas de última geração apreendidas com marginais. A renovação, a cada três anos, do registro de posse de arma é outro dispositivo na mira:
¿ Com todas as exigências o cidadão acaba pagando três vezes mais pela arma. Na prática, isso é confisco.
Apesar da vitória, que pode render frutos em outras áreas, não se espera que os partidários do ¿Não¿ também colham frutos eleitorais com resultado. Geraldo Thadeu não acredita que o resultado do referendo possa ter efeito nas eleições de 2006, já que a maioria dos partidos não fechou questão.
¿ Não houve um engajamento efetivo dos partidos nas campanhas. Um ou outro político esteve à frente, mas, em geral, os filiados não receberam orientações de seus partidos e se sentiram à vontade para votar de acordo com a sua consciência ¿ disse ele, que considera que o debate sobre o referendo ficou prejudicado.
Sociólogo diz que partidos ficaram em cima do muro
Na opinião de Michel Misse, professor de sociologia e coordenador do Núcleo de Estudo da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, é lamentável que os partidos tenham ficado em cima do muro.
¿ Mesmo com a vitória do `Não¿, o país rachou, mas ainda é cedo para pensar em conseqüências.