Título: A crise repica e vai ao Senado
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/10/2005, O GLOBO, p. 2

Até aqui o Senado esteve olímpico na crise, enquanto a Câmara se debatia em mensalões, severinos e cassações. Agora, os problemas éticos fizeram escala também por lá, e esse é outro sinal de recrudescimento da crise: o caso Azeredo reacendeu a guerra PT-PSDB, o plenário rebelou-se ontem contra a cassação do senador João Capiberibe pelo TSE e a situação do senador Geraldo Mesquita é gravíssima.

Este último caso pode levar à abertura de uma caixa-preta de alto poder detonador nas duas Casas: os desvios no uso da verba destinada a indenizar despesas com o exercício do mandato. Ele é acusado por um ex-funcionário de cobrar a devolução de uma parte dos salários pagos aos servidores de confiança. Este, que ganhava R$1 mil, teria devolvido R$410 durante um ano. A mutreta está sendo batizada agora de mensalinho mas é tão velha que tem até outro nome: rebate. É voz corrente que muitos deputados valem-se dela para embolsar uma parcela da verba de gabinete, com a qual contratam funcionários. Mesquita, além do rebate, terá investigadas também as notas que apresentou para ressarcimento de despesas no estado, tais como aluguel de escritórios, gasto com gasolina etc. Na Câmara já foram comprovados alguns casos de uso de notas frias. É voz corrente também que uma investigação séria deste assunto atingiria muita gente. Mesquita teve seu caso levado ao Conselho de Ética por seu próprio partido, o PSOL. Se comprovadas as denúncias, enfrentará processo de cassação.

O caso Azeredo tornou-se o ponto de inflexão da crise. Seu afastamento da presidência do PSDB já deflagrou a primeira reação dos tucanos, a coleta de assinaturas pelo líder Arthur Virgílio para a instalação de uma CPI do caixa dois, destinada a investigar o financiamento irregular de campanhas estaduais do PT. De fato, Duda Mendonça mencionou, em seu depoimento à CPI dos Correios, pelo menos quatro campanhas para as quais trabalhou, e das quais recebeu por baixo do pano. Mas uma CPI do caixa dois neste país dificilmente investigará apenas campanhas petistas. Se instalada, o mais provável é que espalhe brasas para todo lado. O Planalto e os senadores petistas tentam evitar uma nova guerra com os tucanos e tanto é assim que o PT do Senado não representou contra Azeredo no Conselho de Ética:

¿ Nós o temos como um homem de bem, um senador íntegro e respeitável. Não vamos tentar linchá-lo, como fizeram com alguns dos nossos. O PSDB já derrotou o PT nesta batalha. Se entendesse isso, não tentaria esticar mais a corda ¿ diz o senador petista Tião Viana.

Mas diferentemente dos senadores e do ministro Jaques Wagner ¿ que também assegurou ontem a Virgílio que o Planalto não quer linchar Azeredo ¿ a bancada do PT na Câmara está tocando tambores.

Se tucanos e petistas refletissem mais sobre o resultado do referendo, talvez concluíssem que a guerra entre eles pode ter outro vencedor: as forças conservadoras que colheram a grande vitória do ¿Não¿. O eleitorado, a um ano da eleição presidencial de 2006, externou um rancor generalizado. E quando isso acontece, fica muito propenso a embarcar em aventuras eleitorais.

Por fim, foi insólita a rebelião de ontem contra a cassação do senador Capiberibe pelo TSE, mantida pelo STF. Acusado de comprar votos na campanha eleitoral, ele teve sua diplomação cassada. O presidente do Senado, Renan Calheiros, não poderia ter outra atitude senão a de cumprir a decisão judicial, dando posse ao suplente. Mas como ele é de seu partido, o PMDB, sua decisão enfrentou suspeitas e contestações amplas do plenário, que azedaram definitivamente o ambiente político na Casa.

E assim vai a crise, rumo a sua fase dois, e nela agora as cartas estão completamente embaralhadas.