Título: DEPOIS DAS CPIS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 27/10/2005, O País, p. 4

Os dois casos recentes que acirraram as relações entre a situação e a oposição estão intimamente relacionados ao uso de caixa dois nas eleições, o que favorece a posição oficial do governo de que essa é uma questão corriqueira entre os partidos políticos. E é mesmo, como está ficando provado no decorrer dessa crise política que não livra praticamente ninguém, e mostra a cada dia que a principal tarefa do próximo Congresso será aprovar uma reforma político-eleitoral profunda.

Mas a crise petista é mais ampla do que o uso de caixa dois em suas campanhas eleitorais, ou a arrecadação ilegal de dinheiro nas prefeituras que vem administrando, como a de Santo André, que teve o prefeito Celso Daniel assassinado, ou mesmo a de Ribeirão Preto, onde o atual ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi prefeito.

Um substituiu o outro no papel de coordenador da campanha presidencial que levou Lula ao governo em 2002 e que, se sabe agora, também recebeu dinheiro ¿não contabilizado¿. Assim como Palocci, Celso Daniel certamente teria papel central no governo Lula, o que dá a dimensão da gravidade dos esquemas montados. Chegando ao poder, o PT armou um amplo esquema de financiamento ilegal de políticos e partidos para ter sustentação na Câmara, através de uma base partidária inflada a saques na boca do caixa do Banco Rural. Mas tenta fazer passar tudo como sendo apenas caixa dois, que seria um crime menor.

O PSDB está ameaçando pedir uma CPI sobre o caixa dois apenas para tentar se recuperar do erro estratégico que cometeu ao não obrigar seu presidente, o senador Eduardo Azeredo, a se licenciar do cargo desde que surgiram as primeiras denúncias de que usou recursos de caixa dois em sua campanha a governador de 1998, financiado pelo mesmo lobista Marcos Valério que foi o artífice do esquema ilegal do PT quatro anos depois.

A impressão de que o PT tem algo a esconder no caso do assassinato do ex-prefeito Celso Daniel permanece, depois da acareação de seus irmãos com Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete do presidente Lula. Como ressaltou o senador Jefferson Peres, a versão dos irmãos de que Carvalho lhes falou sobre o esquema de arrecadação ilegal que havia em Santo André parece verossímil.

A estranheza de alguns petistas sobre as razões que teriam levado Carvalho a fazer tal revelação não se justifica, pois é perfeitamente verossímil que, como representante do PT, Carvalho tivesse querido explicar à família do morto por que o partido não poderia investigar a fundo o seqüestro e morte, até mesmo para preservar a memória de Celso Daniel.

A família do morto, no entanto, talvez por não fazer parte da política petista, não considera que esteja preservando a memória do morto protegendo seus assassinos. Tudo estaria ligado ao famoso esquema ilegal de financiamento de campanhas eleitorais, que Celso Daniel consideraria ¿um mal menor¿ segundo um de seus irmãos. O crime teria sua raiz em divergências do prefeito com assessores seus, que estariam se utilizando do dinheiro para fins pessoais.

Mesmo sendo importante definir que nem tudo é caixa dois, e que, ao contrário do que dizem o PT e o deputado José Dirceu, não foi a imprensa que inventou a lista de deputados petistas e da base aliada que receberam comprovadamente o ¿mensalão¿, é preciso que se tire das CPIs sugestões para novas regras para o financiamento das campanhas políticas. O cientista político Jairo Nicolau, professor-pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), um dos maiores especialistas em legislação eleitoral, preparou um trabalho onde propõe alterações para superar o que classifica de ¿falência do sistema de financiamento político no Brasil¿.

Ele admite que o financiamento ilícito de campanhas é hoje um problema nas principais democracias do mundo. Escândalos recentes atingiram importantes lideranças políticas na Alemanha, na Itália, no Japão e na França. Segundo Nicolau, ¿a experiência mostra que com muita freqüência legislações extremamente rigorosas têm sido burladas por fraudes extremamente sofisticadas¿. Os estudiosos admitem, ressalta, que é ¿uma ilusão acreditar que possa existir um sistema de financiamento dos partidos e das campanhas invulnerável à corrupção eleitoral, sobretudo em economias com o grau de informalidade da brasileira¿.

Uma legislação mais eficaz segundo Nicolau, deveria contemplar três aspectos: transparência, praticidade e sanções rigorosas para os transgressores. Algumas sugestões do estudo de Jairo Nicolau:

1- Manter o sistema de financiamento misto, e não o financiamento público exclusivo. A experiência internacional revela que subsídios indiretos são preferíveis. Se o objetivo é ampliar o papel dos recursos públicos nas campanhas brasileiras, deveríamos estudar maneiras de fazê-lo de maneira indireta. Por exemplo, garantindo a impressão de panfletos e material de campanhas, ou garantindo espaços públicos para a difusão de publicidade.

2 - Introduzir um rigoroso sistema de sanções, que deveriam ter vigência até a data da eleição seguinte para o mesmo cargo. As empresas que doarem ilegalmente, além de pagar multas, ficariam cinco anos sem poder participar de licitações ou de celebrar contratos com o poder público. Os partidos políticos seriam punidos com a anulação dos votos, multas e proibição de acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito. Os políticos transgressores teriam os seus mandatos cassados.

3 - Criar um sistema de auditoria por sorteio. Apenas um número reduzido de candidatos (10%, por exemplo) seria rigorosamente investigado. Desses seria pedida uma prestação extremamente detalhada com checagem dos dados junto às empresas doadoras, prestadores de serviços e fornecedores.