Título: Caos em marcha
Autor:
Fonte: O Globo, 27/10/2005, Opinião, p. 6

Pode-se ter qualquer posição sobre as favelas. Só não se pode deixar de reconhecer que a favelização está no centro da crise do Rio ¿ até mesmo por ter uma relação direta com a criminalidade. A existência de duas cidades, a formal e a informal, vem de muito longe. Há até um marco histórico: no final do século XIX, a construção de casebres, na área do Morro da Providência, por ex-soldados combatentes da Guerra de Canudos.

O problema, porém, é que a cidade à margem das leis e das normas ¿ que constrói sem licenças, rouba energia elétrica, não paga impostos e assim por diante ¿ cresce em alta velocidade e já sufoca o Rio formal, o que cumpre a lei, financia os gastos públicos por meio dos tributos. E que por causa desse processo de degradação se sente cada vez mais acuado pelo Rio informal. Os bairros de Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e adjacências servem de termômetro dessa degradação: em dez anos, de 1991 a 2000, segundo o IBGE, a população de 29 favelas existentes na região aumentou em 123%, contra um crescimento de 69% no número de habitantes dos bairros formais, o asfalto.

A deterioração da cidade por causa da ocupação desordenada das encostas e das margens de lagoas (Zona Oeste) e o avanço de favelas em áreas outrora industriais (Avenida Brasil) já há algum tempo alerta para a necessidade de um programa amplo, de emergência, com a participação dos governos municipal, estadual e da União, para conter a favelização e fazê-la retroceder. Para o bem de todos, incluindo, claro, os favelados, hoje cerca de 20% da população total de cariocas (7% em 1950).

Projetos tópicos não têm mais possibilidade de êxito: favelas-bairros, ecolimites, controle do desmatamento. É tratar câncer com aspirina. Muito menos é sensato esperar que um longo (e incerto) ciclo de crescimento econômico venha transformar a Rocinha e o Vidigal em reproduções de vilarejos da Côte D¿Azur e da Costa Amalfitana. A única semelhança entre a Niemeyer, São Conrado e Gávea com a costa européia no Mediterrâneo são o mar e a montanha.