Título: A POLITIZAÇÃO DO PREÇO DA ENERGIA
Autor: ADRIANO PIRES e RAFAEL SCHECHTMAN
Fonte: O Globo, 27/10/2005, Opinião, p. 7

Arevisão periódica e o reajuste tarifário das distribuidoras de energia elétrica no Brasil têm sido pautados por uma grande dose de politização. A cada um desses processos, vemos autoridades, que deveriam zelar pelo respeito aos contratos, prestarem declarações indevidas sobre os aumentos concedidos. Isso joga a população contra as empresas e incentiva o ingresso de liminares contra os índices de aumento legalmente concedidos pela Aneel. Na maioria dos casos, essas medidas embasam-se em mitos que precisam ser derrubados.

O primeiro desses mitos é de que os aumentos tarifários excedem a evolução do poder aquisitivo da população e geram lucros extraordinários para as distribuidoras. À primeira vista, este argumento pareceria correto, já que os aumentos têm superado os principais indicadores de custo de vida e de poder aquisitivo da população. Entre 1998 e 2004, a tarifa média de distribuição de energia no Brasil subiu 128%, enquanto o IPCA, o salário-mínimo e o IGP-M cresceram 64,5%, 100% e 123%, respectivamente. Porém, ao se examinar as causas da evolução das tarifas, constata-se que não são as distribuidoras as principais beneficiárias dos reajustes. Na verdade, a parcela da tarifa que se destina às distribuidoras aumentou somente 81% no período. Por outro lado, os custos com compra de energia elevaram-se 194% e os pagamentos de tributos e encargos setoriais, 184% e 535%, respectivamente. Enquanto em 1998 estas duas parcelas representavam 30% da tarifa e em 2004 alcançaram mais de 38%. Aliás, o setor é pródigo em criar encargos setoriais. Entre eles estão a Conta de Consumo de Combustível (CCC), a Reserva Global de Reversão (RGR), a Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE), a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e o Encargo de Capacidade Emergencial (ECE). Os dois últimos foram criados após 1998 e fizeram com que o peso dos encargos saltasse de 3,6% para 9,2% da tarifa. Em 2006, haverá mais um novo encargo para subsidiar o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Como se vê, o ganho de eficiência das distribuidoras no período foi absorvido por custos não gerenciáveis, principalmente os encargos setoriais e os tributos.

Outro mito a ser questionado é de que o repasse às tarifas dos custos das termelétricas penaliza o consumidor. A atual situação de sobra de energia é transitória, na medida em que a retomada do crescimento econômico se confirme. Os novos investimentos em hidrelétricas serão cada vez mais caros e incertos, em razão da sua distância do mercado consumidor, de restrições ambientais cada vez maiores e da longa duração das obras. Portanto, para evitar crises de abastecimento, deve-se remunerar adequadamente os investimentos na geração termelétrica. Esse cenário reveste de caráter estratégico as decisões da Aneel, quanto ao preço de repasse da energia contratada das usinas termelétricas pelas distribuidoras. O desrespeito aos contratos que viabilizaram a construção das usinas condenará não apenas a rentabilidade dos projetos atuais mas também a perspectiva de investimento na expansão do parque térmico.

A questão tarifária está em pauta no Rio de Janeiro em razão do reajuste da Light. Espera-se que esses mitos sejam superados. É importante defender tarifas módicas, principalmente num país com problemas de nível de renda. Mas, sem investimentos em energia, os problemas sociais só tendem a se perpetuar. Portanto, o correto é se rediscutir a política tributária sobre as tarifas, entender que a energia elétrica no Brasil apresenta custos crescentes e, ainda mais importante, acabar com a prática do populismo tarifário, que ao final levará à redução de investimentos e, conseqüentemente, a um novo apagão. Existe cenário pior para os consumidores?

ADRIANO PIRES é diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). RAFAEL SCHECHTMAN é diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).