Título: OS DADOS DO ABORTO
Autor: D. ANTONIO AUGUSTO DIAS DUARTE
Fonte: O Globo, 27/10/2005, Opinião, p. 7

Após o referendo realizado pelo povo brasileiro sobre o desarmamento no dia 23 de outubro onde o ¿Não¿ venceu o ¿Sim¿, cabe aos governos federal, estadual e municipal refletirem sobre o que realmente querem os cidadãos dessa imensa nação. Querem que as mortes continuem? Querem que as armas continuem ceifando vidas e trazendo perdas e tristezas para tantas famílias?

Talvez o que o povo brasileiro esteja querendo dizer é um ¿Não¿, um ¿Basta¿, às omissões das autoridades públicas e aos enganos dos seus argumentos para não irem às raízes do combate à violência no país.

Como se lê, infelizmente, no artigo de Thomaz Rafael Gollop e Lia Zanotta Machado publicado dia 24 de outubro pós-referendo, o direito à vida é considerado abstrato e não absoluto. Entretanto, o povo, independente de sua fé religiosa, quer que o governo proteja a vida nas ruas, nas casas e também a vida presente no seio das mães.

Num estado laico não só se deve respeitar todas as religiões, e até mesmo o direito de não professar nenhuma delas, mas também se deve respeitar o direito à verdade científica. A estatística é uma ciência que só continuará sendo ciência se não deturparem os seus números nem a sua correta interpretação.

Sabe-se que os dados disponíveis no Sistema Único de Saúde (vide www.datasus.gov.br) informam para os anos de 1996 a 2002 números que vão de no máximo 163 (no ano de 1997) a no mínimo 115 (no ano de 2002) de mulheres mortas em gravidez que terminou em aborto. No ano de 2004, de um total de 252.825 atendimentos no SUS relacionados a abortos, mais da metade foi devida a abortos espontâneos (127.065), e na própria Biblioteca Virtual da Saúde (www.bvs.gov.br), de um total de 247.884 atendimentos do SUS no ano 2000 relacionados a abortos espontâneos e por outras causas (nas quais estariam inseridos os abortos diretamente provocados), houve 67 óbitos hospitalares, que é um número incomparavelmente menor que o divulgado pelos defensores do aborto.

Outra verdade científica que o povo brasileiro tem o direito de saber é a Síndrome Pós-Aborto, já que as conseqüências de um aborto diretamente provocado, mesmo na rede pública e nos planos privados de saúde, são muitíssimo graves. As mulheres que sofrem o aborto em qualquer mês da gestação padecem dessa síndrome apresentando stress crônico, depressão e aumento do risco de suicídio, isto não por uma razão religiosa, mas pelo trauma físico e psicológico que existe nessas intervenções, mesmo quando feitos dentro da legalidade.

O direito à maternidade é um benefício para a mulher, para a família e para o país desde que seja exercido com responsabilidade. Tal responsabilidade pede à mulher que harmonize esse seu direito com os demais direitos que ela tem como pessoa e com os direitos das outras pessoas, inclusive daquela que leva dentro de si, seja qual for o meio que a tornou mãe.

Seria reiterativo demais mencionar o direito à verdade biológica a respeito da vida humana, já que a embriologia, a anatomia, a medicina fetal, a pediatria demonstram, sem sombra de dúvidas, que desde a concepção até o parto existe um ser humano com um genoma humano que irá reger a continuidade, a gradualidade e o desenvolvimento da célula humana inicial, o zigoto.

O embriologista, o pediatra, o especialista em medicina fetal não necessitam da fé religiosa para agirem de modo coerente com as verdades científicas conhecidas por eles. Necessitam, sim, do respeito incondicional ao bebê, já que dentro do limite das 12 primeiras semanas de gestação ele vai adquirindo gradualmente uma forma humana. Dentro do limite das 20 primeiras semanas, se há recursos técnicos suficientes, pode sobreviver fora do útero materno. Ao longo dos nove meses de vida intra-uterina há uma relação materno-filial, misturada com emoções e apreensões, que nenhum Estado pode definir nem anular.

Como médico e como bispo da Igreja Católica apelo às consciências dos médicos do Brasil, para que o direito ao aborto não seja tão absoluto como está sendo proposto pelas instituições governamentais e não leve a classe médica a ser executora de decisões baseadas em afirmações incompletas ou incompatíveis com as verdades científicas.

D. ANTONIO AUGUSTO DIAS DUARTE é bispo-auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro.