Título: A banda oficial da máfia
Autor: Alessandro Soler, Ana Claudia Costa, Antônio Werne
Fonte: O Globo, 09/11/2004, Rio, p. 14

Quarenta e duas pessoas foram presas ontem no Rio durante ação conjunta das polícias Federal e Rodoviária Federal contra a máfia dos combustíveis. Batizada de Poeira no Asfalto, a operação visava a cumprir 56 mandados de prisão contra integrantes da quadrilha, que atua no Rio, em São Paulo, Espírito Santo e Paraná. Entre os capturados estão 21 policiais rodoviários federais, quatro fiscais de tributos estaduais, três fiscais da Feema, dois policiais civis e um bombeiro, além de empresários e empregados do setor de combustível. Pelo menos seis deles moram na Barra da Tijuca e dois no Recreio dos Bandeirantes. Foram apreendidos documentos, computadores, um Mercedes e um BMW, motocicletas, armas e notas fiscais.

Um dos presos, Francisco Carlos da Silva, conhecido como Chico Preto, foi superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Rio até maio do ano passado. Também foram para a cadeia os empresários: Renan de Macedo Leite, Paulo Roberto Prette e Sidmar Ribeiro da Silva, que, de acordo com a Polícia Federal, eram os cabeças do esquema.

As ordens de prisão foram expedidas pelo juiz Alexandre Libonati de Abreu, da 2 Vara Criminal Federal, que também emitiu 136 mandados de busca e apreensão. De acordo com o delegado Cláudio Nogueira, da PF, que veio de Brasília e coordenou todo o trabalho, 400 policiais federais e rodoviários federais foram mobilizados para a operação. Para que não houvesse vazamento de informações, os patrulheiros eram de Minas Gerais e Brasília.

As investigações duraram mais de dois anos e contaram com escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, que totalizaram mais de duas mil horas de gravação. Segundo Cláudio Nogueira, os acusados vinham, há cerca de cinco anos, adulterando combustíveis e sonegando impostos. A estimativa é de um prejuízo anual ao país de R$ 5 bilhões. Ele contou que empresários compravam combustível, principalmente álcool, em usinas de Campos e Paulínea (SP). O segundo passo era emitir notas fiscais como se o produto fosse ser levado para estados com alíquota de ICMS baixa, como a Bahia. O combustível, porém, era destinado ao Rio. Uma outra forma de sonegar impostos era passar pelos postos da PRF na Via Dutra e na BR-101 vários caminhões com a mesma nota fiscal.

Patrulheiros davam segurança à carga

Fiscais estaduais e policiais rodoviários eram informados do transporte, recebendo propina para liberar os caminhões. Cada patrulheiro receberia entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por dia, chegando a seguir os veículos, dando segurança à carga. Segundo a PF , o álcool era entregue em distribuidoras no Rio (a maioria na Baixada Fluminense) e misturado à gasolina num percentual maior que o permitido pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). A gasolina adulterada era então distribuída a cerca de 120 postos do Rio, a maioria de bandeira branca ¿ sem ligação com as grandes distribuidoras de combustível.

Segundo o delegado Cláudio Nogueira, fiscais da Feema recebiam entre R$ 5 mil e R$ 10 mil para vender licenças de abertura de postos de gasolina e de empresas distribuidoras de combustíveis. As notas fiscais eram fabricadas em São Paulo e no Paraná. Dois dos presos são acusados justamente de falsificar os documentos: Everaldo Oliveira da Silva e Wanderlei Celestino de Oliveira, capturado em São Paulo.

A operação foi deflagrada por volta de 5h. No apartamento de Chico Preto, uma cobertura no Recreio, foram recolhidos documentos, um computador, uma escopeta e três pistolas. O ex-superintendente estava licenciado desde que levou dois tiros de fuzil. Assim como ele, a maioria dos presos foi surpreendida em suas casas.

Quatro prisões foram feitas no condomínio Rio II, na Barra. Entre os capturados ali estão os inspetores da PRF José Carlos Rosado, Cláudio Narciso e Mara Rejany da Silva Terto Narciso. No Grajaú, os federais prenderam o patrulheiro Antônio Carlos da Silva Jacarandá. Na casa dele foram apreendidos equipamentos eletrônicos, supostamente contrabandeados. A PF suspeita que o patrulheiro deixasse passar ônibus com contrabando do Paraguai.

Em Itatiaia, policiais apreenderam dois sacos com R$ 400 mil em espécie na casa de Roberto Ottati. Ele é chefe do posto da Receita estadual na Via Dutra em Nhangapi, entre Itatiaia e Engenheiro Passos. O dinheiro, segundo o corregedor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Marcelo Gladson Pires, é proveniente de propina. De acordo com o corregedor, os policiais rodoviários acusados de fazerem parte da máfia dos combustíveis responderão a processo administrativo, podendo ser advertidos e até expulsos sumariamente da PRF.

¿ Fizemos uma operação para moralizar a PRF com monitoramento judicialmente autorizado. Não podemos ficar com servidores envolvidos na prática de falsificação e outros delitos ¿ disse ele.

Em Campos, agentes estiveram em usinas que produzem álcool e apreenderam notas fiscais e computadores. Toda a documentação foi levada para a Policia Federal e será analisada. Também em Campos foi preso um empresário do ramo de transporte de combustível cujo nome não foi revelado.

De acordo com o delegado Cláudio Nogueira, os presos responderão a inquérito pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção, falsificação, sonegação fiscal, adulteração e falsidade material e ideológica. Todos os presos fizeram exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal e, em seguida, foram encaminhados para a carceragem do Ponto Zero, em Benfica; para o Presídio Ary Franco, em Água Santa; e para o Presídio Nelson Hungria (carceragem feminina).

¿ Conseguimos com essa operação desmantelar uma quadrilha que adulterava combustíveis e sonegava impostos. Seus integrantes faziam parte de um esquema que funcionava há cinco anos ¿ concluiu o delegado.