Título: CRISE SE ALASTRA POR HOSPITAIS MUNICIPAIS
Autor: Célia Costa/Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 27/10/2005, Rio, p. 17

Problemas do Souza Aguiar chegam ao Lourenço Jorge e ao Miguel Couto. Unidades federais doam medicamentos

A crise que levou à restrição do atendimento e à suspensão das cirurgias eletivas no Hospital Souza Aguiar, no Centro, se espalha pela rede municipal de saúde. Relatório da Comissão de Saúde da Câmara Municipal revela que o Hospital Lourenço Jorge, na Barra, referência de atendimento para os Jogos Pan-Americanos de 2007, está sobrevivendo à base de doações de medicamentos. A unidade também está com equipamentos importantes quebrados, como os aparelhos de tomografia e raios-X. No Hospital Miguel Couto, a farmácia está vazia e cirurgias eletivas já foram suspensas em outubro por falta de roupa para pacientes e médicos.

A ajuda ao Souza Aguiar deve começar hoje. O secretário de Atenção à Saúde, José Gomes Temporão, determinou que os hospitais federais emprestem 102 tipos de medicamentos ao Souza Aguiar:

- O Souza Aguiar é o sintoma de doença grave provocada pela má administração.

O secretário convocará uma reunião com as secretarias estadual e municipal para discutir a situação e cobrar responsabilidade de cada uma.

De acordo com o vice-presidente da comissão, vereador Carlos Eduardo (PPS), os dois hospitais caminham para a mesma situação do Souza Aguiar. O vereador vistoriou o Hospital Lourenço Jorge no domingo e o Miguel Couto, na segunda-feira. Na unidade da Barra, segundo ele, são as doações de medicamentos, feitas por outros hospitais federais, estaduais e municipais, que estão abastecendo a farmácia. Em outubro, 68 tipos diferentes de remédios foram doados.

Tomógrafo do Lourenço Jorge está quebrado há uma semana

O Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into) doou 50 ampolas de noradrenalina, medicamento usado para reanimação cardiorrespiratória. Os hospitais da Lagoa e Cardoso Fontes, que passaram ao controle do governo federal após a intervenção na saúde do Rio, em março, doaram 70 frascos do anticoagulante heparina, 200 ampolas de atropina (para reanimação cardiorrespiratória) e 50 ampolas de aminofilina (remédio para asma). Até mesmo o Hospital Miguel Couto cedeu cem ampolas de heparina e 200 do anestésico Fentanil.

- O Lourenço Jorge é o hospital de referência para o Pan. Deveria estar passando por obras de adaptação e melhoria. Em vez disso, o que se vê é o agravamento das condições - diz Carlos Eduardo.

Segundo o relatório da comissão, o único tomógrafo da unidade, um modelo antigo usado antes pelo Miguel Couto, está quebrado há uma semana. Já um dos aparelhos de raios-X não funciona há meses. O ar-condicionado também está danificado. O hospital, que recebe vítimas de acidentes na Avenida das Américas, não conta com neurocirurgião e a emergência está trabalhando entre 50% e 80% além da sua capacidade.

- A emergência infantil, que recebe 300 crianças por dia, não tem CTI, respiradores, máscara de oxigênio e cardioversor. A carência é total - diz o vereador.

No Miguel Couto, cirurgias foram suspensas em meados de outubro porque não havia roupa cirúrgica para pacientes e médicos. Segundo o vereador, apenas no dia 14 quatro cirurgias, sendo duas de vesícula biliar, uma de hérnia e outra de tiróide, foram canceladas. A carência de medicamentos também é grande. Segundo o deputado Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Saúde da Alerj, listas pregadas nas paredes dos vários serviços do hospital, hoje, indicavam a escassez.

Na segunda-feira, segundo Carlos Eduardo, já não havia dipirona no estoque do Miguel Couto. Por dia, são usados dois mil frascos. O relatório da comissão da Câmara aponta ainda a falta de colchões e grades de segurança nas macas da emergência e de respiradores.

Enquanto a situação piora nos outros hospitais, o Souza Aguiar continua com atendimento restrito, principalmente pela falta de medicamentos. Ontem, apenas uma cirurgia eletiva foi realizada, porque o caso do paciente se agravou. Para hoje, não foi marcada nenhuma outra cirurgia eletiva.

Falta até soro fisiológico no Souza Aguiar

Dos cem medicamentos mais importantes, 70 estão faltando. Os últimos frascos de soro fisiológico, por exemplo, foram mandados para a emergência. No vizinho Hemorio, dois caminhões do governo estadual descarregavam remédios ontem. Seis doentes crônicos internados no Souza Aguiar foram transferidos para casas de saúde conveniadas ao SUS ontem. A direção manteve ainda o pedido ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e ao Corpo de Bombeiros para que evitem levar pacientes para a emergência.

Pela manhã, uma assembléia reuniu direção, comissão de ética e corpo clínico do hospital para discutir o modo como a Secretaria municipal de Saúde vem tratando a situação. As medidas adotadas, como a redução da entrada de pacientes externos e o cancelamento de cirurgias, foram aprovadas. O hospital também foi vistoriado pelo presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), Paulo Cesar Geraldes. Segundo ele, desde a intervenção federal, em março, a situação só se agrava.

A Secretaria municipal de Saúde informou que ontem não foi realizada nenhuma melhoria no Souza Aguiar, mas que esforços estão sendo feitos para normalizar a situação. Não há prazo para isto, no entanto.

Legenda da foto: PASSANDO MAL, um homem espera atendimento na porta da emergência do Hospital Souza Aguiar