Título: Desarmonia
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/10/2005, O Globo, p. 2

A aprovação do relatório favorável à cassação do deputado José Dirceu por 13 votos a um, no Conselho de Ética, foi um sinal da disposição da Câmara para cassar seu mandato e seus direitos políticos. Já a anulação da sessão por um despacho do ministro do STF Eros Grau foi a segunda evidência, esta semana, da desarmonia entre o Legislativo e o Judiciário sobre as cassações.

A primeira foi a rebelião do plenário do Senado, na terça-feira, contra a cassação do agora ex-senador João Alberto Capiberipe pelo TSE, confirmada pelo STF. Foram grandes as pressões para que o presidente da Casa, Renan Calheiros, descumprisse a decisão judicial, adiando o ato de posse do suplente. Como, aliás, a Câmara fez durante alguns meses em relação ao também cassado pela Justiça Ronivon Santiago.

A nova manobra de Dirceu atrasará seu julgamento final mas dificilmente mudará a tendência dos deputados. Sabe-se que seu jogo protelatório vem contrariando o Palácio do Planalto, que gostaria de ver tudo liqüidado no mais curto prazo possível. Ainda mais agora, quando a oposição reassume a agressividade anterior, voltando até a falar em impeachment. Com suas manobras, Dirceu desajuda o governo, que também nada faz por ele, e para alguns deputados pode até estar angariando mais antipatias.

Mas na medida em que a Justiça faz reparos à conduta do Conselho de Ética, suscita dúvidas sobre a correção de seu processo de cassação. E isso, talvez mais que o desfecho, interessa à estratégia de Dirceu. O despacho do ministro Eros Grau confirmou a necessidade de apresentação de um novo relatório, em sintonia com sua liminar determinando que o relator não usasse dados do sigilo bancário e fiscal do deputado em poder da CPI dos Correios. Seria também necessária uma nova leitura. As duas providências não foram observadas pelo relator Julio Delgado nem pelo presidente do Conselho, Ricardo Izar.

Abandonado pela base governista, como se viu na votação de seu recurso na Comissão de Constituição e Justiça anteontem, e no próprio Conselho, Dirceu combate com a única arma que lhe resta, a judicial. Dificilmente mudará o curso de uma história que já parece escrita, evitando a cassação que já parece decidida. Mais do que pelo mandato, entretanto, ele combate para fazer prevalecer sua própria narrativa do drama político que está vivendo, procurando demonstrar que sofreu um fuzilamento político, não um julgamento pautado pelos limites jurídicos que devem ser observados mesmo nos processos de natureza política. Ou como disse em nota, depois da vitória no STF: "Os votos proferidos na sessão invalidada deixam claro que estou sendo condenado por uma suposta responsabilidade política, por atribuírem a mim uma culpa indefinida, por considerarem impossível que eu não soubesse de algo."

Quando ganha uma pequena batalha judicial como a de ontem, ainda que ela não altere o desfecho, ele fortalece esta narrativa, se não para o presente, pelo menos para o futuro e para o registro de sua própria história. Pois cassado, ele só vai recuperar seus direitos políticos quando tiver 70 anos. É muito difícil alguém recomeçar vida política nesta idade.