Título: Duro de cassar
Autor: Maria Lima/Ilimar Franco/Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 28/10/2005, O País, p. 3

Conselho aprova cassação de Dirceu por 13 a 1 mas STF manda refazer relatório

O Conselho de Ética da Câmara aprovou ontem por 13 votos a um o pedido de cassação do mandato do deputado José Dirceu (PT-SP), mas poucas horas depois a decisão foi, na prática, derrubada pelo ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao esclarecer sua liminar de terça-feira. Provocado pelos advogados de Dirceu ontem de manhã, Eros Grau respondeu à tarde, quando já se sabia o resultado da votação no Conselho, que todo o processo tinha de ser refeito por causa de erros formais no relatório. Apesar de muito irritado, o presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), rendeu-se à decisão e deve realizar na segunda-feira nova leitura do relatório do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) e nova votação.

- Vamos analisar a decisão. Se for preciso, marco a nova sessão para reler e votar novamente, mas não muda nada, é o mesmo parecer pela perda de mandato - disse Izar.

O presidente do Conselho de Ética quer votar na mesma segunda-feira, mas está sendo orientado a repetir todo o procedimento para evitar que a decisão final seja anulada no futuro: refazer o relatório, fazer nova leitura, conceder prazo para vista e depois votar. Mesmo tendo de ser refeito o processo no Conselho, ainda é possível, desde que haja quórum, realizar a votação em plenário no dia 9, quando termina o prazo de 90 dias para a conclusão do processo. Caso contrário, o processo poderá ser votado diretamente pelo plenário a partir do dia 10, com ou sem a manifestação do Conselho de Ética.

Adiamento não vai mudar resultado

O adiamento da decisão do Conselho não vai mudar a sorte de Dirceu. Os integrantes do Conselho deixaram claro que o deputado está a um passo da perda do mandato e dos direitos políticos. Os argumentos usados para aprovar o relatório de Delgado e o tom dos discursos mostraram que está se consolidando uma jurisprudência de que o caixa dois deve ser punido com a cassação.

- Foi muita pressão. Foram muitas tentativas de adiar. Não aceito as acusações que foram feitas. Não adulterei, nem tirei de contexto os depoimentos dados no Conselho para fazer o relatório - disse Delgado.

O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) havia advertido na quarta-feira o presidente do Conselho de que deveria repetir a leitura do relatório e atender a novo pedido de vista antes de votar. Promotor público, Sampaio temia justamente que isso ocorresse. Mas Izar preferiu manter a votação, seguindo orientação de assessores da Casa e outros deputados do Conselho.

- Por precaução, a melhor coisa a fazer é, na segunda-feira, relermos o relatório, conceder vista e marcar nova votação. Se não, corremos o risco de daqui a 20 dias o Supremo derrubar tudo. Ele só ganhou tempo, a cassação é inevitável - disse Sampaio.

Dirceu teve ao seu lado, no Conselho, apenas a deputada Ângela Guadagnin (PT- SP), que se submeteu ao constrangimento de ver rejeitado novo pedido de vista do relatório. Inconformado com o resultado humilhante, o ex-todo poderoso do governo Lula determinou aos advogados que entrassem com novo recurso no STF pedindo a nulidade da sessão.

O argumento é que o relator descumpriu liminar concedida por Eros Grau. Na ação, o advogado José Luiz Oliveira Lima pede que o relator retome o processo a partir do momento em que requereu à CPI dos Correios os dados de sigilo bancário e telefônico de Dirceu. Na versão votada ontem, o relator suprimiu quatro parágrafos que faziam referência a esses dados.

Mas Delgado manteve a citação a esses dados na página 29, na qual fala do cruzamento dos sigilos bancários e telefônicos com as datas de votações de interesse do governo. O advogado de Dirceu se apega a isso para acusá-lo de descumprir a decisão judicial.

- Não há perigo de nulidade. Não houve descumprimento de decisão judicial. Nós estamos tranquilos porque fizemos um trabalho transparente, independente, e acima de tudo justo - garantiu Izar antes da decisão do Supremo.

Os 13 deputados que usaram o microfone para encaminhar o voto o fizeram de maneira duríssima. Todos reafirmaram a crença de que Dirceu era mesmo um dos comandantes do valerioduto e de um esquema de distribuição sem limites de recursos de caixa dois de origem ilegal. Sobre a sua biografia, os conselheiros também reconheceram o passado histórico. Mas isso só reforçou a convicção de sua participação como "capitão do time".

- O que mais pesa contra ele é justamente sua biografia. Como um líder nato, que não arredou nunca de seus objetivos, pode num passe de mágica abdicar de todo o seu ideário e vem aqui dizer que não viu nada, que não sabe, que não participou nem arquitetou nada? - disse o deputado Edmar Moreira (PFL-MG).

- Na realidade a alma política do deputado José Dirceu merece uma temporada no inferno - decretou o deputado Nélson Trad (PMDB-MS).

A deputada Ângela Guadagnin leu seu voto em separado, diante de um plenário impaciente para votar logo o pedido de cassação. Ela citou Temístocles, "que passou de herói militar ao ostracismo" , o episódio da Escola Base de São Paulo e o caso da cassação do deputado Ibsen Pinheiro, que mais tarde teria comprovado sua inocência.

Diferentemente das outras votações, ontem Dirceu não compareceu. No início da noite, divulgou nota na qual afirma que a decisão do STF adverte para os riscos institucionais de se atropelar direitos. "Os votos proferidos na sessão invalidada deixam claro que estou sendo condenado por uma suposta responsabilidade política, por atribuírem a mim uma culpa indefinida, por considerarem impossível que eu não soubesse de algo".

COLABOROU Carolina Brígido

OS 13 VOTOS NA DERROTA NA SALA 13

O número 13, do PT, a paixão do deputado José Dirceu, o perseguiu ontem. Na eleição de 2002, quando se elegeu deputado com a maior votação de São Paulo, mais de 500 mil votos, Dirceu era identificado nas urnas pelo número 1313. Ontem, na sala 13 do corredor das comissões, Dirceu teve o pedido de cassação aprovado por 13 deputados. E o resultado foi proclamado às 13h30m.

Os 13 deputados que votaram contra Dirceu foram: Chico Alencar (PSOL-RJ), Orlando Fantazzini (PSOL-SP), Nelson Trad (PMDB-MS), Jairo Carneiro (PFL-BA), Carlos Sampaio (PSDB-SP), Robson Tuma (PFL-SP), Edmar Moreira (PFL-MG), Cezar Schirmer (PMDB-RS), Pedro Canedo (PP-GO), Mendes Thame (PSDB-SP), Benedito de Lira (PP-AL), Josias Quintal (PMDB-RJ), e o relator, Júlio Delgado (PSB-MG). A favor dele votou apenas a petista Ângela Guadagnin (SP). O presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), não precisou votar.

"Não é o pai de família nem o guerrilheiro que está sendo julgado, mas sim o animal político"

EDMAR MOREIRA

Deputado (PFL-MG)

"Na realidade, a alma política do deputado José Dirceu merece uma temporadano inferno"

NELSON TRAD

Deputado (PMDB-MS)

"Temos de dar a Dirceu a estatura que ele merece neste momento, a estatura de um simples mortal"

JOSIAS QUINTAL

Deputado (PSB-RJ)

"Quando se parte da condenação a priori reproduzimos ações totalitárias já observadas na História"

ÂNGELA GUADAGNIN

Deputada (PT-SP)

Legenda da foto: DIRCEU DEIXA apressado o Congresso após a votação: erros formais no relatório