Título: Ex-petistas emocionam colegas ao votar contra Dirceu no Conselho
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 28/10/2005, O País, p. 4

Para deputados, escândalo funcionou como o 'seqüestro dos sonhos' do PT

BRASÍLIA. O discurso emocionado de ex-petistas durante a discussão do processo de cassação do deputado José Dirceu chamou a atenção dos outros integrantes do Conselho de Ética. O desabafo dos deputados Chico Alencar (RJ) e Orlando Fantazzini (SP) - que deixaram o PT no mês passado por divergências com o Campo Majoritário, corrente petista comandada por Dirceu, e hoje estão no PSOL - revelava mais tristeza e desencanto do que um sentimento de revanche. Chico, o primeiro a pedir a palavra, disse que vivia um dia dramático e que seu voto era de tristeza, pois entendia a dor do "companheiro Zé", mas era o início do fim de um calvário que ele tentava prolongar.

Chico lembrou que as protelações, ironicamente, jogaram a votação para uma data simbólica, já que exatamente em 27 de outubro de 2002, com milhares de petistas, estava na Cinelândia chorando de alegria e comemorando a eleição de Lula para presidente. Além do tom emocionado, o ex-petista fez um retrospecto da atuação e da trajetória de Dirceu no partido. Disse que, no governo, ele preferiu o caminho da velha prática do fisiologismo, reforçou a tese de que era mesmo muito poderoso e que ninguém fazia nada sem seu consentimento.

- Tragicamente hoje estamos aqui votando a cassação do comandante daquele sonho, do capitão do time... Não concordo com o relator. Este não é o maior esquema de corrução que já houve no país. É a continuidade dele, com novos atores, entre eles o Zé. Os inimigos de ontem passaram a ser os amigos de hoje. E passarinho que dorme em ninho de morcego se vicia e passa a dormir de cabeça para baixo - disse Chico Alencar.

Deputado ironiza declarações

Fantazzini foi na mesma linha. Lamentou o que classificou de seqüestro do sonho dos petistas e de milhões de brasileiros. Para ele, mais grave do que corrupção é o estelionato político, porque a corrupção pode ser punida e o estelionato não há medidas para reparar.

- Estranha-me o deputado José Dirceu dizer que o mundo conspira contra ele. Waldomiro Diniz, seu filho Zeca, talvez tenham conspirado contra ele - afirmou Fantazzini.

O ex-petista completou dizendo que até bem pouco tempo Dirceu adorava ser celebrado como o comandante e hoje renega o posto para se livrar de vínculos com os chefes do valerioduto.

- Nos anos dourados, do paraíso vermelho, quando não tinham surgido as denúncias, era com grande alegria que o ministro José Dirceu era anunciado como o grande comandante. Agora quer ser apenas um soldado raso, que nada sabia, que nada viu, que nada fez com os sargentos Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Marcelo Sereno? - ironizou Fantazzini.

Afastada e isolada dos ex-companheiros petistas, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) leu, solitariamente, seu voto em separado, diante de um plenário impaciente para votar logo o pedido de cassação. Por alguns minutos, teve a solidariedade do deputado João Magno (PT-MG), que está na lista dos cassáveis. Ele assistiu a uma parte da sessão e se aproximou da deputada para tentar confortá-la na missão de tentar defender Dirceu numa situação desfavorável.

Para sustentar o pedido de absolvição de José Dirceu, ela acusou o relator de ter agido com parcialidade, de ter mentido e montado frases de depoimentos fora do contexto para comprovar o que queria. No documento ela cita Temístocles, "que passou de herói militar ao ostracismo", o episódio da Escola Base de São Paulo e o caso da cassação do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro, que mais tarde teve comprovada sua inocência. O voto da deputada, como a defesa de Dirceu, contesta todo o relatório para dizer que não houve mensalão.

- Não estamos julgando aqui uma grande biografia. Mas uma coleção de malfeitos que levou ao seqüestro dos nossos sonhos. Um conjunto e processo deletério de desconstrução da cidadania, que teve o Zé como um dos seus artífices. Ele não está sendo julgado pela sua trajetória política, mas pelo que deixou de fazer no seu momento presente - disse Chico. - Pode ser que não tenha havido um mensalão, com repasses mensais, mas teve um "devezenquandão".

HÁ 3 ANOS, LULA ERA ELEITO

Primeiro-ministro, gerentão, número dois do governo, homem forte de Lula, eminência parda e até presidente de fato. Ao longo dos 30 meses em que permaneceu no governo, até que as denúncias de envolvimento com o pagamento do mensalão o derrubassem em 16 de junho, foram muito os títulos colados ao nome do então chefe da Casa Civil, José Dirceu. Quando deixou o Planalto e passou a fazer sua defesa na Câmara, negou várias vezes que tivesse o poder que lhe atribuíam para tentar justificar o desconhecimento do esquema do PT com Marcos Valério. Por ironia do destino, o petista acabou tendo a cassação de seu mandato aprovada pelo Conselho de Ética - decisão que terá de ser confirmada em nova sessão - exatamente três anos depois da vitória de Lula no segundo turno das eleições de 2002.

Dirceu era reconhecido como o responsável pela articulação política que resultou na vitória do PT e de Lula, e sua influência no governo era conhecida até no exterior. "O chefe da Casa Civil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem estado tão próximo dele há tanto tempo que funciona como um alter ego e seu gestor, e algumas vezes é chamado de sombra do Lula", escreveu o jornal americano "The New York Times" sobre Dirceu em junho de 2003.

Ele insistia em atribuir-se um papel secundário:

- Sou um auxiliar do presidente. Quem acha que faço o que não está combinado com o presidente Lula não está vendo os 23 anos de história que temos no PT. O presidente decide e eu faço. Nesta questão, sou quase um militar

- É o capitão do time. Aquele que pode reclamar do juiz sem ser expulso de campo - dizia Lula sobre seu ministro.

Já no dia 27 de outubro de 2002, Dirceu, que havia sido reeleito deputado federal com mais de 550 mil votos, falava aos jornalistas sobre os objetivos do governo, a escolha do futuro Ministério e a necessidade de buscar a maioria no Congresso.

- Vamos trabalhar logo a constituição da maioria no Congresso e o pacto social - afirmou, após dizer que o PT começaria a governar o Brasil "com o pé esquerdo".

- Lula vai anunciar no tempo político que for necessário o Ministério e as medidas que vamos adotar no começo do governo.

Uma vez no poder, Dirceu viveu embates com dissidentes petistas, principalmente na votação da reforma da Previdência, e com a oposição, sempre disputando poder com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Começou a perder prestígio e poder com o escândalo Waldomiro Diniz, o ex-assessor flagrado cobrando propina de um bicheiro, em fevereiro de 2004. Acusado de ser o chefe do esquema do mensalão, perdeu o ministério, voltou para a planície e caminha para a cassação no plenário.

Legenda da foto: DIRCEU COM Mercadante e Lula, após o anúncio da vitória em 2002