Título: Na CPI, Delúbio envolve Eunício no valerioduto
Autor: Lydia Medeiros/Adriana Vasconcelos/Luiza Damé
Fonte: O Globo, 28/10/2005, O País, p. 12

Ex-tesoureiro do PT diz que ex-ministro indicou ex-líder do PMDB para receber repasses de Valério em nome do partido

BRASÍLIA. A superacareação promovida ontem pela CPI do Mensalão acabou envolvendo no valerioduto mais três partidos - PSB, PCdoB e PPS - e o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), ex-ministro das Comunicações. Segundo o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, foi Eunício que indicou o ex-líder do PMDB José Borba, beneficiário de R$2,1 milhões da SMP&B, uma das agências do empresário Marcos Valério de Souza, para tratar de assuntos de interesse do partido com o PT.

Delúbio afirmou ainda que o PSB foi beneficiado com recursos repassados pelo ex-líder petista Paulo Rocha (PA), que renunciou ao mandato temendo a cassação. E que o diretório nacional do PCdoB recebeu R$300 mil. Já Valério reiterou o pagamento de R$457 mil ao ex-secretário executivo do Ministério da Integração Márcio Lacerda. Segundo Valério, Lacerda foi apenas o contato do PPS, mas o dinheiro teria ido para o publicitário Einhart Jácome Paz, cunhado do ministro Ciro Gomes que fez sua campanha presidencial.

Ex-candidato do PSB teria recebido R$300 mil

O ex-candidato do PSB ao governo do Pará Ademir Andrade teria recebido do ex-deputado Paulo Rocha R$300 mil. O presidente do PSB, Roberto Amaral, porém, minimizou o fato:

- Essa uma notícia requentada. Estamos aguardando uma resposta de Andrade.

Ciro, por sua vez, nega que sua campanha ou mesmo o PPS, sua antiga legenda, tenham recebido recursos de Valério. Por intermédio de sua assessoria, explicou que os recursos repassados a Einhart referem-se ao pagamento de serviços prestados pelo publicitário no segundo turno da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo Delúbio, o diretório nacional do PCdoB recebeu R$300 mil em três parcelas de R$100 mil. O presidente do partido, Renato Rabelo, admite que o PT pagou algumas despesas da legenda em 2002 para divulgação da campanha de Lula. Mas não soube precisar o valor exato e justificou que isso não entrou na prestação de contas do partido, já que o PCdoB não tinha candidato à Presidência e os gastos teriam de ser contabilizados pelo próprio PT.

Procurado pelo GLOBO, Eunício não foi localizado. De acordo com Delúbio, Borba teria sido indicado pelo ex-ministro para tratar dos assuntos de interesse do PMDB com o PT. Borba renunciou ao mandato para se livrar do processo no Conselho de Ética. Ele aparece na lista de Valério como beneficiário de R$2,1 milhões.

Acareação pouco esclarece sobre diferença de valores

A acareação pouco esclareceu sobre a diferença entre os valores que Valério alega ter pago e o que os partidos da base admitem ter recebido. Ele, Delúbio e a diretora financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, foram confrontados, inicialmente, com o presidente do PL, o ex-deputado Valdemar Costa Neto. Delúbio alega ter autorizado repasse de cerca de R$12 milhões para o PL. Valério e Simone assumiram que pagaram R$10,8 milhões a Valdemar. Já o presidente do PL disse ter recebido apenas R$6,5 milhões.

Antes da acareação, o relator da CPI, Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), já reconhecia que eram escassas as chances de esclarecer essa diferença:

- Não tenho ilusões. Provavelmente, os depoentes vão repetir o que já falaram. Mas a diferença é de milhões e se as quantias não se harmonizam, a mentira é dupla.

Na tentativa de comprovar sua versão, Valério insistiu que não havia dinheiro público em suas contas e pediu a seu advogado que enviasse à CPI cópia das fitas de vídeo que registram quem entrou e quem saiu da agência do Banco Rural em Brasília e de diversos hotéis da capital, como o Blue Tree e o Gran Bittar, onde teria sido efetuada parte dos pagamentos.

O empresário, no entanto, entrou em contradição com Delúbio ao afirmar que a corretora Bônus Banval teria sido indicada pelo ex-tesoureiro petista para intermediar os repasses direcionados ao PT e ao PP.

- Eu autorizava os pagamentos. A forma, quem determinava era Valério - disse Delúbio.

Na segunda etapa da acareação, o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas desmentiu Valério e Simone e negou que tenha indicado a corretora Guaranhuns para receber os recursos do valerioduto e repassá-los ao PL.

- Nunca tinha tido contato com a Bônus Banval e a Guaranhuns. A Bônus Banval foi indicada pelo PT e a Guaranhuns por Lamas - insistiu Valério.

Na tentativa de provar que não tinha relação com a Guaranhuns, Valério afirmou:

- A CPI pode verificar. Se Valdemar diz que só recebeu R$1,2 milhão, quem entregou? Como? Com que motivo? É só verificar, rastrear. Ele ligou? A Guaranhuns ligou? Mas não vou ensinar a CPI como se faz uma investigação - disse.

No início da acareação, Delúbio pediu desculpas por declarações dadas em sua festa de aniversário, publicadas no "Estado de São Paulo". Na ocasião, ele teria afirmado que as denúncias contra ele e o PT virariam piada de salão:

- Em meu nome e de minha família, quero pedir desculpas se algum parlamentar ficou ofendido. Não dei aquela entrevista.

Apesar dos esforços do presidente da CPI, senador Amir Lando (PMDB-RO), para evitar os debates políticos durante a acareação, a sessão teve momentos tensos. Depois de bater boca com o relator, que tentava limitar as perguntas dos parlamentares, o deputado Moroni Torgan (PFL-CE), defendeu o impeachment do presidente Lula. Isso após o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, ter confirmado que usou parte dos recursos recebidos de Marcos Valério para saldar despesas da campanha do então candidato Lula no segundo turno em São Paulo.

- Caixa dois é ruim para deputado, mas para presidente da República não vale?

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Valdemar depõe vigiado por ex-mulher

BRASÍLIA. A passagem do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, pela acareação da CPI do Mensalão foi acompanhada por uma interessada testemunha instalada no fundo do plenário: sua ex-mulher Maria Christina Mendes Caldeira, com quem trava uma guerra judicial. Depois de acusar o ex-marido de desviar dinheiro do PL, Maria Christina quer agora ter direito a metade do dinheiro que ele diz ter recebido do valerioduto. E pensa em recorrer à Vara de Família.

- Tivemos união estável e tenho direito a 50% de tudo o que adquiriu nesse tempo. Vou doar para ONGs.

Ontem, enquanto ouvia Valdemar, ela bordava em ponto cruz um presente para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: uma almofadinha com a palavra "Chega" em lilás.

- O presidente põe o que quiser embaixo. Chega de corrupção, de impunidade, tem 1.001 coisas que pode botar - disse.

Valdemar apresentou dez queixas-crime contra Maria Christina desde a separação, em 2004.

Legenda da foto: VALÉRIO, DELÚBIO E Simone: na superacareação da CPI do Mensalão, divergências sobre saques e repasses