Título: DE BRANCO E DE LUTO
Autor: Célia Costa/Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 28/10/2005, Rio, p. 15

Médicos do Hospital Paulino Werneck, onde falta tudo, protestam usando fitas negras

Inconformados com a mudança da emergência para um prédio sem condições de atendimento, médicos do Hospital Paulino Werneck, da rede municipal, na Ilha do Governador, fizeram um protesto ontem. Usando fitas negras que simbolizavam a morte da unidade, eles criticaram a falta de estrutura - apesar de receber pacientes em estado grave, o hospital está sem centro cirúrgico e laboratório e sequer tem leitos para internações. Pacientes com a vida em risco permaneciam em macas aguardando transferência. Relatórios de oficiais do Corpo de Bombeiros a que O GLOBO teve acesso mostram que rotineiramente pacientes são recusados na emergência, obrigando as ambulâncias a procurarem outros hospitais.

A situação de outros hospitais da rede pública também é grave. Desabastecimento e falta de pagamento de empresas que prestam serviços aumentam o caos na saúde. Ontem, o Ministério da Saúde entregou a primeira remessa de medicamentos, com 102 itens, ao Hospital Souza Aguiar. Os remédios, cedidos por empréstimo à prefeitura, devem durar uma semana, período em que o prefeito Cesar Maia espera que o problema seja contornado. No Souza Aguiar, cirurgias eletivas (que não são de emergência) continuam reduzidas.

- Isso mostra que o ministério reconhece a transição e que entende que o parcelamento em três anos das dívidas foi um ato cooperativo de ambas as partes. Lembro que o parcelamento será sem correção - disse Cesar Maia, se referindo ao acordo firmado com o Ministério da Saúde.

Bombeiros relatam recusa de médicos

Relatório assinado por uma oficial do 19º Grupamento do Corpo de Bombeiros da Ilha no dia 12 de maio, apresentado ao comandante da corporação, registrava a recusa de uma médica do plantão do Paulino Werneck a aceitar a internação de Milton Domingos da Silva, de 70 anos, com problemas no coração. Segundo o relatório, a médica teria dito que recebera repreensões da chefia da emergência por aceitar novos pacientes e que não mais o faria. Ela também teria se recusado a examinar o paciente.

Problemas como esse aconteceram em outras ocasiões. Um outro oficial relata que no dia 4 de julho deixou no hospital a vítima de um acidente leve de trânsito, mas que não havia ortopedista de plantão. Ele teve que se comprometer a ajudar na transferência, caso fosse necessária. Outro oficial relata no livro de ocorrências que uma médica se recusou a aceitar uma vítima de atropelamento no dia 3 de janeiro.

No dia 1 de novembro, bombeiros também relataram no livro de ocorrências que os médicos do hospital não estavam realizando nem o primeiro atendimento. O vereador Carlos Eduardo (PPS), da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, aponta ainda outro problema:

- Como não podem deixar os pacientes no Paulino Werneck, as ambulâncias do 19º GBM precisam deixar a Ilha para ir ao Hospital Geral de Bonsucesso ou ao Hospital Getúlio Vargas. Nesses momentos, o bairro fica sem cobertura de emergência dos bombeiros, o que é grave.

Até a semana passada, a emergência do Paulino Werneck, que é referência para o Aeroporto Internacional Tom Jobim e a Linha Vermelha, funcionava improvisadamente num prédio anexo, enquanto o outro edifício passava por reformas. Na quinta-feira, ela foi transferida para o prédio reformado, o que levou a um aumento da demanda estimado em 20%, segundo o Sindicato dos Médicos do Rio, sem que equipamentos extras e profissionais fossem disponibilizados. Por dia, passam pelo Paulino Werneck mais de 500 pessoas em busca de atendimento.

- Essa mudança foi equivocada, porque os médicos estão atendendo mais gente com a mesma escassez de recursos. E a tendência é piorar, conforme mais gente comece a procurar a unidade. O público acredita que é um hospital de emergência, o Corpo de Bombeiros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) continuam trazendo pacientes graves, mas a estrutura é a de um posto de saúde - alertou o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze.

Segundo médicos da unidade, a emergência não tem condições de atender a casos de maior complexidade porque não há leitos, centro cirúrgico e laboratório, interditados há mais de um ano pela Vigilância Sanitária. Os exames são feitos no Hospital Nossa Senhora do Loreto, distante dez quilômetros. As amostras precisam ser reunidas antes de serem encaminhadas, o que faz com que os resultados demorem mais de cinco horas para ficar prontos. O hospital também não tem ar-condicionado.

Pacientes em estado grave aguardam, em macas, vagas em outras unidades, pois não há leitos. Era o caso do vigilante Jaime José dos Santos, de 65 anos, que sofreu um enfarte anteontem. Seu estado se agravou ontem, quando sofreu nova parada cardiorrespiratória e os médicos tentavam a todo custo transferi-lo para um hospital que tivesse CTI.

- Meu marido está muito mal. Ele vai morrer e ninguém consegue uma vaga num CTI - disse Virgulina Rodrigues da Silva, mulher do vigilante.

Já sem forças para se levantar, devido a uma anemia, Neuza Justino da Cruz, de 40 anos, portadora do vírus HIV, aguardava desde segunda-feira a chegada de bolsas de sangue para transfusão ou a transferência para outro hospital. Um outro paciente, com dois braços quebrados, aguardava há cinco dias transferência para um hospital com centro cirúrgico.

- É inadmissível que um bairro com 400 mil habitantes, como a Ilha, só conte com um hospital, cuja emergência é de fachada - disse o deputado Paulo Pinheiro (PT), presidente da Comissão de Saúde da Alerj.

O deputado encaminhou representação ao Ministério Público pedindo que seja apresentada denúncia contra a Secretaria municipal de Saúde por colocar a emergência em funcionamento sem condições. Foi pedido ao Conselho Regional de Medicina (Cremerj) e à Vigilância Sanitária que façam vistorias na unidade. O Sindicato dos Médicos entrou segunda-feira com uma ação na 2ª Vara de Fazenda pedindo que obrigue a prefeitura a suprir a unidade de medicamentos e insumos e a concluir a reforma. A secretaria informou que o hospital está sendo reformado desde setembro de 2004 devido a problemas estruturais. Segundo o órgão, as obras estarão concluídas no início de novembro, quando entrarão em funcionamento centro cirúrgico, laboratório, maternidade e leitos para internação.

Vida em risco

Seis horas. Esse foi o tempo que a estudante Alessandra Dantas, de 14 anos, portadora de diabetes, passou num banco da emergência do Hospital Paulino Werneck aguardando o resultado de um exame. Quando ele ficou pronto, indicando taxa de glicose quase quatro vezes acima do aceitável, a jovem ainda teve que esperar mais 40 minutos pela chegada de insulina, doada por outro hospital, já que não havia o medicamento na farmácia da unidade.

O drama de Alessandra começou no início da manhã, quando foi levada pela tia, Sônia Maria da Silva, de 42 anos, para o Posto de Saúde Nilton Alves Cardoso. No local, foi feito teste que indicou taxa de glicose no sangue em torno de 500mg/dl, mais de quatro vezes o normal. Como o caso foi considerado de emergência, Alessandra foi encaminhada para o Paulino Werneck, hospital de referência na Ilha do Governador, onde chegou às 8h30m.

No hospital, contudo, não havia meios de fazer um simples exame de glicose no sangue. O material foi coletado às 9h e apenas às 12h10m despachado, com outras amostras, para o Hospital Nossa Senhora do Loreto. O resultado só chegou ao Paulino Werneck às 14h30m. Durante as seis horas de espera, a estudante ficou sentada num banco, reclamando de perda de visão e fraqueza.

Mesmo depois de confirmada a gravidade do caso, Alessandra ainda precisou esperar cerca de 40 minutos até que funcionários buscassem em outro hospital insulina para o tratamento. Segundo a médica que atendeu a estudante, ela correu sério risco de apresentar seqüelas, como perda de extremidades do corpo, de vísceras e da visão, lesões cerebrais e até coma. Até o fim da tarde, ela permanecia internada numa maca.