Título: UMA QUESTÃO DE PERCEPÇÃO
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 28/10/2005, Economia, p. 23

Rio fica em 10º lugar no ranking da FGV sobre as condições de vida de 27 cidades

O Rio de Janeiro ficou em 10º lugar no ranking de satisfação dos habitantes com as condições de vida do local em que vivem, entre as 27 cidades pesquisadas pela FGV Projetos, da Fundação Getulio Vargas. Enquanto Brasília teve o melhor desempenho e o Acre, o pior, São Paulo ficou em 11ºlugar, logo atrás do Rio. Mas no quesito violência, cariocas e paulistas se distanciaram: São Paulo ficou com o 8º lugar na lista de cidades onde a percepção do problema é maior - e o Rio ficou no 19º. Ou seja, os paulistas sentem muito mais a violência do que os cariocas.

A percepção das pessoas quanto aos problemas muda de cidade para cidade, de região para região e até de acordo com classes de renda, sexo e cor. Mulheres sentem mais a violência que os homens, segundo o coordenador do estudo, Fernando Blumenschein. E as capitais das regiões Norte e Nordeste apresentaram resultados sensivelmente piores que os das demais regiões. No Norte do país, nenhuma capital conseguiu alcançar valor positivo no Índice de Condições de Vida (ICV). Rio e em São Paulo ficaram numa posição intermediária no índice geral, um pouco acima da média nacional.

O quesito violência apareceu no topo da lista de preocupações da classe média (B, C e D) do Rio e de São Paulo. Mas, para os cariocas da classe A, os problemas com a rua ou vizinhos barulhentos são os que mais incomodam. Já os paulistas de renda mais alta estão mais insatisfeitos com a poluição e os problemas ambientais causados pelo trânsito ou pela indústria. Entre os cariocas mais pobres, as condições de moradia da família são o problema principal, enquanto para os paulistas da mesma classe de renda o pior é o serviço de água.

- Há várias hipóteses para os resultados apresentados, já que a pesquisa capta a percepção e não a ocorrência efetiva da violência - explica Blumenschein.

Estabilização da violência influiria

Uma das explicações para os cariocas terem uma percepção muito melhor da violência em relação aos moradores de outras cidades pode ser o fato de que aqui as pessoas já se acostumaram ao problema. Ou porque a pergunta se refere à percepção do entrevistado em relação a um determinado problema no local em que mora, diz Blumenschein:

- As pessoas costumam se sentir mais seguras no local em que vivem.

O professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Michel Misse alerta para o fato de que a percepção é muito subjetiva e não tem relação direta com a realidade. Ele interpreta o resultado positivo do Rio em relação a outras cidades no quesito violência como fruto de sua estabilização, mesmo que em nível alto:

- A taxa de homicídios do Rio caiu depois de 1996 e se estabilizou. Já as de Belém e de Belo Horizonte cresceram muito nos últimos anos.

Quanto à percepção dos paulistas, que vêem mais violência na sua cidade do que os cariocas, Misse diz que isso pode ser conseqüência do aumento no número de seqüestros. Em São Paulo a taxa de homicídios também caiu e depois se estabilizou num nível alto, mas a cidade tem o maior número de seqüestros do Brasil, ao contrário do Rio, onde a incidência desse tipo de crime diminuiu.

Segundo Blumenschein, num primeiro momento o objetivo da pesquisa foi verificar como os indivíduos percebem a qualidade de vida que têm, e não explicar as causas dos problemas. O ICV foi levantado com base nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2002 e 2003.

A amostra é composta por entrevistas em 48.470 domicílios das 26 capitais, mais o Distrito Federal. Contém informações sobre a satisfação das pessoas quanto a 12 quesitos, entre os quais oferta de serviços públicos, condições de alimentação, moradia, renda e problemas com a violência.

- A pesquisa é importante porque, ao expressar sua satisfação ou insatisfação, a população pode cobrar soluções dos formuladores de políticas públicas, que por sua vez têm como direcionar melhor os investimentos - diz Blumenschein.

Objetivo é subsidiar políticas públicas

Para a FGV, a pesquisa pode contribuir para subsidiar políticas públicas nas diversas instâncias de poder - municipal, estadual e federal. Mas Blumenschein acha que será preciso sensibilizar o governo federal para que o monitoramento das condições de vida, hoje realizado por meio da POF, seja incorporado ao questionário de algum outro estudo do IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A POF é feita a cada cinco ou seis anos, enquanto a Pnad é anual.

A qualidade de vida tem influência sobre a produtividade da mão-de-obra, na atração de capital ou investimento produtivo e no direcionamento de fluxos migratórios. Conseqüentemente, a longo prazo, as condições de vida têm efeitos sobre o crescimento econômico, o emprego e a renda.

Legenda da foto: CASA NA Cidade de Deus: entre os mais pobres, a maior preocupação é com a moradia