Título: PRESSIONADA, HARRIET MIERS DESISTE
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 28/10/2005, O Mundo, p. 29

Bush aceita renúncia de amiga à Suprema Corte e sofre maior derrota em cinco anos

O presidente George W. Bush sofreu ontem o mais duro revés em quase cinco anos de governo: foi obrigado a aceitar a renúncia da candidatura de sua velha amiga Harriet Miers à Suprema Corte. Ao final do dia, Bush se preparava para a possibilidade de sofrer um novo e ainda mais significativo impacto negativo hoje. Numa reunião na Casa Branca, ficou acertado que ele fará um curto comunicado à nação pouco depois de o promotor federal Patrick F. Fitzgerald finalmente revelar o resultado de dois anos de investigações sobre a revelação ilegal - na imprensa - da identidade de uma espiã da CIA, a agência central de inteligência.

Decisão evita revelar documentos

Havia uma tensa expectativa no governo devido aos rumores de que dois pesos-pesados da Casa Branca seriam indiciados criminalmente: o principal estrategista político de Bush e seu subchefe de gabinete, Karl Rove; e o chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney, Lewis Libby.

- Seja quem for o funcionário indiciado, essa pessoa terá de se demitir imediatamente - disse um assessor do presidente, acrescentando que o próprio Bush anunciaria a demissão.

A desistência de Miers, indicada por Bush no último dia 3, foi anunciada ontem de manhã, mas já era de conhecimento do presidente desde a noite anterior. Ela renunciou devido a crescentes pressões da ala mais conservadora do Partido Republicano.

Miers teria tomado a decisão logo depois de receber um telefonema da Casa Branca. Bob Stevenson, porta-voz de Bill Frist, líder do governo no Senado, contou que seu chefe se reuniu naquela noite com Andrew Card, chefe de gabinete de Bush, e "ofereceu a ele uma avaliação muito sincera da situação".

Pouco depois, Miers recebeu o telefonema e em seguida ligou para Bush, informando-o sobre sua decisão - apresentada oficialmente numa carta dirigida ao presidente. "Estou preocupada com o fato de o processo de confirmação (da nomeação) representar um peso para a Casa Branca e para nosso quadro de funcionários, o que não é de interesse para o nosso país", dizia a carta.

Miers acrescentou que desistiu da nomeação para preservar o Executivo "e seus documentos confidenciais", mantendo o sigilo do histórico de seu atual trabalho como advogada da Casa Branca. Era uma referência ao fato de, no processo de avaliação de sua capacidade, o próprio Partido Republicano estar exigindo papéis do governo que contêm opiniões de Miers sobre temas tratados com Bush - uma vez que não existem outros registros oficiais sobre o pensamento dela, já que ela jamais foi juíza.

Bush divulgou logo a seguir um comunicado, dizendo que aceitava "com relutância" a decisão de Miers; que entendia as preocupações dela, por considerar que "está claro que os senadores não ficariam satisfeitos enquanto não tivessem acesso a documentos internos"; e que a revelação deste "minaria a capacidade do presidente de receber conselhos francos".

No Partido Democrata, o primeiro a reagir foi o líder da minoria no Senado, Harry Reid, que havia endossado a nomeação:

- A direita radical do Partido Republicano matou a nomeação de Miers. Ela aparentemente não satisfez aqueles que querem encher a Suprema Corte de ideólogos rígidos - disse ele, referindo-se à pressão para que Bush nomeasse um juiz ultra-conservador.

Richard Reuben, professor da Universidade de Missouri e especialista em Suprema Corte, disse que o presidente não tinha outra saída:

- Ele não estava numa posição de lutar pela candidatura de Miers agora, porque perdeu muito apoio político - afirmou.

Já Andrew Taylor, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, comentou:

- Nas últimas seis semanas, a imagem da competência de Bush e seu controle sobre o governo está em frangalhos. A retirada de Miers é mais um fato que faz parecer que Bush não tem controle do governo.

Apesar do fiasco da nomeação, Miers - há anos advogada particular de Bush - continuará trabalhando na Casa Branca. Os conservadores não se opõem a isso. Para eles, ela pode ser útil ao presidente como conselheira, mas não tomando decisões da Corte Suprema, como indicou, com ironia, o senador o senador Trent Lott:

- O presidente fez uma má escolha. Isto às vezes acontece. Mas Harriet Miers lidou com isso de forma admirável. Daqui a um mês, quem vai se lembrar de Harriet Miers?

Legenda da foto: A ADVOGADA Harriet Miers sorri enquanto caminha na Casa Branca: decisão tomada na véspera, depois de um telefonema