Título: Procurador-geral: Meirelles não pode ser ministro
Autor: Carolina Brígido, Isabel Braga, Regina Alvarez e A
Fonte: O Globo, 09/11/2004, Economia, p. 26

Em dois pareceres, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, classificou de inconstitucional a medida provisória (MP) que deu status de ministro ao presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Fonteles afirmou que a atitude do Executivo em editar a norma teve ¿inspiração casuística¿. Em agosto, quando saiu a MP, Meirelles era alvo de denúncias de supostos crimes de sonegação fiscal, entre outros. Com o novo status , o presidente do BC ganhou o foro privilegiado reservado a ministros. Ou seja: se for alvo de alguma ação penal, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

¿É fato notório que a transformação do cargo de presidente do Banco Central em cargo de ministro de Estado visa, em primeira linha, à concessão àquele de prerrogativa de foro, para que seja julgado pela instância máxima da organização judiciária brasileira, o Supremo Tribunal Federal, justamente num momento em que está sob investigação do Ministério Público Federal a respeito de sua regularidade fiscal e eleitoral¿, escreveu Fonteles.

Os pareceres foram elaborados para auxiliar os ministros do STF no exame de duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo PSDB e pelo PFL contra a MP. O julgamento ainda não foi marcado.

¿No presente caso, a afronta ao princípio da moralidade pelo ato normativo emanado do Poder Executivo é patente. Sua edição (da MP) está, inequivocadamente, ditada por inspiração casuística¿, diz o parecer.

Fonteles concordou com os argumentos apresentados pelos partidos políticos de que a MP atentava contra a Constituição Federal, porque sua edição não preenchia os requisitos básicos: o assunto não teria apresentado urgência e relevância. Além disso, diz o parecer, o status de ministro conferido a Meirelles teria descaracterizado a hierarquia entre o Ministério da Fazenda e o BC, já que o ministro presidente de uma autarquia é submetido a outro ministro.

Caso deveria ter sido submetido ao Senado

O procurador-geral ainda argumentou que a atitude do Executivo teria violado outros artigos constitucionais. É o caso de um dispositivo que proíbe a edição de MP sobre matéria processual penal. Outro artigo também mencionado veda a edição de MP sobre assunto que deveria ser tratado em lei complementar, como é o caso de mudança na estrutura, organização, funcionamento e atribuições do BC, integrante do sistema financeiro nacional.

Fonteles também sustenta que, embora a Constituição dê ao presidente da República poderes para conceder status de ministro, o caso de Meirelles deveria ter sido submetido ao Senado.

O Banco Central não quis se manifestar sobre a decisão do procurador, mas o parecer não surpreendeu a equipe econômica. Segundo um interlocutor de Meirelles, Fonteles já havia dado sinais de que considerava a MP inconstitucional. Mesmo assim, há confiança na equipe de que a MP será acolhida pelo STF. Um integrante da equipe lembrou que há o precedente do ex-advogado-geral da União Gilmar Mendes, que hoje está no Supremo e é o relator da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a MP.

Na área econômica, a preocupação maior é com a repercussão política da decisão de Fonteles, que deverá fornecer combustível para os críticos da MP na oposição e na própria base governista. Há também preocupação com as críticas à atuação de Meirelles à frente do BC e à política econômica.

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT), admitiu ontem que a MP poderá ser rejeitada, para que os parlamentares da oposição desistam da obstrução e retomem as votações. João Paulo disse que a palavra de Fonteles é importante e observou que, se a MP tiver algum problema, pode ser corrigida pelo relator. Mas afirmou que, se a correção não for possível, não vê problema em rejeitar a medida provisória:

¿ É uma posição importante, mas não é determinante.

Para o presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), Fonteles repetiu em seu parecer os mesmos argumentos que o partido usou para questionar no STF a constitucionalidade da MP.

Embora já tenha defendido a demissão de Meirelles publicamente por discordar da política de juros praticada pelo BC, o presidente nacional do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), garantiu que seu partido acompanhará o governo na votação dessa MP.