Título: Vara curta
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 29/10/2005, O GLOBO, p. 2

O programa nacional do PT levado ao ar na quinta-feira foi a nota que faltava para o acirramento dos ânimos tucanos e pefelistas, que já andavam exaltados. Uma das conseqüências é que, desta vez, os tucanos não tentarão conter iniciativas do PFL contra o presidente Lula. O líder pefelista José Agripino apresentará uma queixa-crime contra o presidente por uso de caixa dois na campanha eleitoral de 2002.

Além do tom ofensivo do programa, o PT falava ontem em pedir a abertura de processo de cassação contra o senador Eduardo Azeredo. Os tucanos acham que o caso dele iria explodir de qualquer forma mas tomarão o pedido de cassação como uma declaração de guerra.

Já a evolução da queixa-crime do PFL dependerá do próprio Ministério Público, que poderá acolhê-la ou não, propondo a abertura de processo por crime de responsabilidade (que pode levar ao impeachment) contra o presidente. A primeira revelação de uso de caixa dois na campanha de 2002 foi feita pelo publicitário Duda Mendonça mas naquele momento a oposição acabou recuando da iniciativa do impeachment, inclusive porque o PSDB não se dispôs a marchar com o PFL nesta direção. Na acareação de quinta-feira, em pleno repique da crise, o assunto foi recolocado em pauta pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, ao repetir que usou parte dos recursos recebidos do valerioduto, mais de R$6 milhões, na campanha da chapa Lula-José Alencar.

¿ Desta vez não vamos contemporizar. O PT não está interessado no arrefecimento da crise ¿ diz o primeiro vice-líder tucano, deputado Eduardo Paes.

O presidente Lula e seu ministro Jaques Wagner fazem acenos pacificadores mas não têm conseguido conter o próprio PT. A nova direção petista, em fase de afirmação, aproveitou a fragilidade da oposição com o caso Azeredo para deflagrar sua primeira ofensiva, depois de cinco meses de encolhimento sob o chicote das denúncias. Outro fato que desinibe os petistas é a falta de resultados nas investigações. Até agora, a CPI dos Correios não conseguiu demonstrar a origem da dinheirama de Marcos Valério ¿ cuja distribuição foi amplamente rememorada pela acareação de quinta-feira ¿ desmontando a versão dos empréstimos tomados ao Banco Rural.

Uma luz sobre a origem dos recursos veio da constatação, pelos técnicos do TCU, de que a DNA de Valério e outras agências de publicidade se apropriaram de recursos de órgãos públicos, deixando de lhes devolver os descontos oferecidos pelos veículos de comunicação. Esta pode ser uma das fontes mas dificilmente será a única. A outra hipótese continua sendo a existência de contas no exterior, que teriam não apenas abastecido as contas de Duda Mendonça mas também o valerioduto, tendo os empréstimos como fachada. Para isso, a CPI deve gastar R$4,7 milhões, contratando os serviços de empresas especializadas. Isso corresponde a quase 10% da movimentação de Valério-Delúbio. É o duplo custo da corrupção.

A outra hipótese, que tanta gente no PT sustenta mas não de público, é a de que todo o dinheiro foi antecipado pelo Rural a Valério, que ganharia um total de R$200 milhões para conseguir, com a ajuda do PT, a suspensão da intervenção no banco Mercantil de Pernambuco, do qual o Rural é sócio. A CPI acaba de descobrir dezenas de ligações telefônicas entre o Banco Central e os escritórios de Marcos Valério.

Mas estas dúvidas e lacunas da investigação não deixam o PT em condições de cutucar a oposição como fez em seu programa. A não ser que tenha deixado de levar em conta os interesses do governo e esteja pensando apenas na sobrevivência do partido, radicalizando na retórica e tratando tangencialmente da crise e de suas causas.