Título: CONJUNTOS HABITACIONAIS ENFRENTAM FAVELIZAÇÃO
Autor: Luiz Ernesto Magalhães
Fonte: O Globo, 29/10/2005, Rio, p. 19

Descendentes dos primeiros moradores fazem `puxadinhos¿ nos lotes originais, cercados por novas favelas

Na década de 60, o poder público construiu grandes conjuntos habitacionais na Zona Oeste para onde foram transferidas, em apenas três anos (1962-1965), 37 mil pessoas de 32 favelas, entre elas, a Praia do Pinto, no Leblon, e o Morro do Pasmado, em Botafogo. A mudança, porém, foi feita sem planejamento para o futuro. Hoje, quase quatro décadas depois, deficiências em transporte público, educação e saneamento básico geraram novos problemas sociais. Sem opções de moradia, muitos descendentes dos moradores originais fizeram ¿puxadinhos¿ nos lotes originais, descaracterizando os conjuntos. Outros viraram favelados, em comunidades que foram construídas nas vizinhanças.

¿ Pouca coisa mudou em quase 40 anos, exceto que as ruas foram asfaltadas. A rede de esgotos não é suficiente e as ruas alagam quando chove forte. Continuamos a ser servidos por uma única linha de ônibus ¿ diz o presidente da Associação de Moradores da Vila Aliança (Bangu), Ricardo Camilo.

De cinco mil para 18 mil moradores

Inaugurado em dezembro de 1962, Vila Aliança foi o primeiro conjunto habitacional construído pelo governo estadual (da antiga Guanabara) para reassentar moradores de favelas. O núcleo original tinha cerca de 5 mil moradores. Hoje, segundo cálculos dos agentes de saúde, já seriam 18 mil pessoas. Outras 12 mil ¿ em sua maioria descendentes dos moradores originais ¿ vivem em quatro favelas que surgiram na vizinhança: Manguezal, Minha Deusa, Nova Aliança e Caminho do Lúcio. Há casos de invasões de prédios públicos na comunidade. Dez famílias moram numa antiga garagem da Comlurb.

O surgimento de favelas-satélite nos conjuntos não é um fenômeno restrito à Vila Aliança. Outras comunidades, como Cidade Alta (Cordovil) e Cidade de Deus (Jacarepaguá), enfrentam o mesmo problema. Nos três conjuntos habitacionais da Cidade Alta, que contavam originalmente com 23 mil pessoas, vivem hoje cerca de 42 mil. O projeto poderia ter dado certo se não faltasse intra-estrutura.

¿ As pessoas foram transferidas para a Cidade Alta sem que existisse lá postos de saúde, comércio e transporte público adequado. Vivendo assim, era difícil que se apegassem ao lugar. Com isso, o conjunto foi se degradando ¿ disse Denise Nonato, autora de uma tese de mestrado em ciências sociais sobre a Cidade Alta.

Segundo a socióloga, a Cidade Alta só começou a ter infra-estrutura de transportes e serviços a partir da década de 80, quando muitos apartamentos já tinham ¿puxadinhos¿ com até três andares adicionais. Nas últimas décadas, surgiram quatro favelas no entorno.

Na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, os primeiros moradores chegaram em 1966, quando a região era afastada dos grandes centros urbanos. O transporte público era deficiente e faltavam ofertas em saúde e educação. A expansão desordenada levou a criação de ¿puxadinhos¿ nos conjuntos habitacionais. No entorno da Cidade de Deus, existem pelo menos 11 favelas, segundo estimativa do Comitê Comunitário da Cidade de Deus, entidade que reúne 13 associações de moradores.

¿ O baixo nível de escolaridade transformou a Cidade de Deus em um bairro que oferece mão-de-obra barata para Jacarepaguá e a Barra da Tijuca. A falta de qualificação profissional da população limita as vantagens de estarmos localizados numa região em expansão na cidade ¿ lamenta Cleonice Dias de Almeida, diretora do Comitê Comunitário.

A construção de conjuntos habitacionais para abrigar moradores de baixa renda não é uma inovação do Brasil. O professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional (IPPUR), Luiz Cézar Queiroz Ribeiro, lembra que empreendimentos do gênero foram construídos na França e nos Estados Unidos. Apesar de enfrentarem problemas como violência e desemprego, esses bairros sempre contaram com serviços de transporte mais eficientes que os do Rio.