Título: INFLAÇÃO PODE SER LIMITE PARA ALTA DE GASTO PÚBLICO
Autor: Martha Beck
Fonte: O Globo, 29/10/2005, Economia, p. 31

Segundo governo, teto valeria para despesas com pessoal e permitiria triplicar investimentos, além de reduzir impostos

BRASÍLIA e RIO. A equipe econômica estuda uma medida polêmica para melhorar a qualidade dos gastos públicos dentro do programa de ajuste fiscal de longo prazo em elaboração: um limite rígido para o aumento das despesas com pessoal da União nos próximos dez anos. Estas não poderiam crescer acima da inflação anual. Segundo o governo, isso abriria espaço para triplicar os investimentos públicos e reduzir a carga tributária e a dívida pública em proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

A limitação dos gastos com pessoal coibiria os aumentos que vêm sendo concedidos ao funcionalismo público. Recentemente, depois de um reajuste do Judiciário, o Congresso aumentou em 15% os salários de seu quadro. Esta medida, se estendida ao Executivo, provocaria gastos anuais entre R$6 bilhões e R$8 bilhões.

Segundo o Ministério do Planejamento, as despesas da União com funcionários do Executivo cresceram 48,6% entre 2002 e 2006 ¿ para uma inflação de 48,12% (IPCA). No Legislativo o aumento foi de 64,9% e no Judiciário, de 65,4%. Só em 2005, essas despesas chegam a R$98 bilhões, para investimentos públicos de R$74 bilhões.

O governo começou a discutir a proposta formalmente esta semana, em reunião da Câmara de Política Econômica com os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Casa Civil, Dilma Rousseff. A equipe econômica quer amadurecer a idéia antes de levá-la ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ministros políticos, como Dilma, temem que o ajuste dê maior liberdade à equipe econômica de contingenciar recursos ¿ um problema em ano eleitoral.

O governo deu o primeiro passo para um novo plano fiscal ao estabelecer, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2006, que as despesas correntes da União não podem ultrapassar 17% do PIB. E precisa definir agora o que deve ser feito com os gastos de pessoal para cumprir essa meta, que ficará mais rígida: 16% do PIB em dez anos.

Outra medida em estudo é o aumento da desvinculação de receitas da União (a chamada DRU), hoje em 20%, que daria mais liberdade para aplicar recursos ou cortar gastos. A desvinculação chegaria a 35% em dez anos. Também se estuda baixar a carga tributária pela redução da alíquota da CPMF, de 0,38% para 0,08% até 2016.

Para Paulo Bernardo, as medidas podem triplicar os investimentos públicos nos próximos dez anos. Já a dívida pública, segundo o Tesouro, chegaria a 25% do PIB até 2016, contra 51,7% hoje, e, segundo o Planejamento, a 35% do PIB.

Especialista tem ressalvas à proposta do governo

O plano de ajuste fiscal de longo prazo visa a desmontar a bomba-relógio das altas taxas de juros, usadas no combate à inflação. Altos gastos públicos alimentam a inflação e trabalham contra o BC, pois demandam doses pesadas de juros para controlar os preços. Portanto, é fundamental disciplinar os gastos públicos e permitir a redução da dívida. O governo quer amarrar uma proposta que conquiste a sociedade civil e a oposição, para mostrar aos mercados o comprometimento com a solvência do Estado.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, vê com ressalvas a estratégia do governo, pois as propostas se concentram na receita:

¿ A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) falhou ao fixar um teto para os gastos de pessoal como um percentual da receita. Agora será difícil corrigir esse erro.

COLABOROU Luciana Rodrigues