Título: BUSCANDO ALTERNATIVAS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 30/10/2005, O País, p. 4

Os movimentos políticos recentes indicam que teremos uma das campanhas presidenciais mais radicalizadas dos últimos tempos. O governo já identificou o adversário imediato no PSDB, o que sinaliza para o PT uma guerra permanente contra o suspeito de sempre, que, por sua vez, volta a falar em impeachment do presidente Lula. Mas essa polarização entre os dois partidos hegemônicos há 15 anos na política brasileira pode corresponder a uma ótica política viciada, que já não reflete os anseios atuais da sociedade. É o que pensa, por exemplo, pelo menos parte do PMDB. E está também na estratégia do PFL, que aguarda o início do ano, analisando pesquisas eleitorais, para tomar uma decisão.

Embora o mais provável seja que o PFL adira à candidatura do PSDB, se as pesquisas confirmarem que essa polarização entre PT e PSDB está sendo rejeitada pelo eleitorado, pode se abrir caminho para a reaglutinação das forças políticas alternativas como o PFL e o PMDB, que voltaram a sondar um caminho novo para a disputa eleitoral, isoladamente, ou revivendo a união do PMDB com a Frente Liberal que elegeu Tancredo Neves, de onde nasceu o PFL.

O consenso é que a radicalização muito grande é pouco construtiva: querem saber quem roubou mais, ironiza um cacique peemedebista. Uma eventual candidatura deveria construir uma proposta alternativa à atual política econômica, com novos valores de uma nação que quer se desenvolver. Combater a desigualdade é fundamental, e essa política econômica não contemplaria uma saída, em uma avaliação feita por interlocutores dos dois partidos que tateiam uma aproximação mais profunda.

PT e PSDB foram os únicos a lançar candidatos próprios nas quatro últimas eleições presidenciais, e disputaram as últimas três entre eles, e por isso mesmo fixaram uma imagem nacional. O PT teve um processo de nacionalização próprio, fora do poder, que se consolidou em 2004, nas eleições municipais. E o PSDB, que chegou ao poder central com a força do Plano Real em 1994, se aproveitou dos oito anos de governo federal para se estruturar nacionalmente.

O fato de PFL e PMDB terem se recusado a disputar a eleição presidencial explica por que eles não têm uma imagem política nacional, embora dominem a política regional. O último candidato próprio do PFL foi Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB ¿cristianizou¿ primeiro Ulysses Guimarães, depois Orestes Quércia, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.

Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos estavam demonstrando uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes. Por isso, mesmo que decidam mais uma vez não lançar candidatos próprios, PFL e PMDB terão bancadas expressivas no Congresso, por que são partidos montados em torno de máquinas locais, que foram reforçadas nas eleições municipais de 2004. O PMDB continua sendo o partido com maior número de prefeitos e vereadores. E o PFL manteve-se como a terceira força municipal, atrás apenas do PT e do PMDB.

A campanha que está se esboçando mais radicalizada lembra as campanhas petistas mais agressivas, não tem nada a ver com o estilo que fez Lula ganhar em 2002, nem com a imagem de um Presidente ¿estadista¿. Tudo remete ao PT que perdeu, e sem a mística que tinha, na análise da oposição. Por isso cresce no PSDB a idéia de que um candidato que passe a idéia de estabilidade e segurança, como o governador paulista Geraldo Alckmim, é a imagem mais adequada para os anseios atuais do eleitorado.

O programa do PT da quinta-feira deixou claro que a comparação é com os governos de Fernando Henrique, e o prefeito paulistano José Serra está muito próximo de Fernando Henrique, relembra ele, foi ministro duas vezes. Geraldo Alckmin não, é uma cara nova do PSDB, uma outra vertente política.

Todos esses movimentos políticos são observados pelo deputado federal Chico Alencar, ex-petista hoje no PSOL, com o mesmo ar de tristeza com que deu seu voto a favor da cassação de José Dirceu na Comissão de Ética: ¿O inimaginável aconteceu¿, diz ele: ¿No governo Lula, a direita se reaglutinou, os conservadores se repaginaram, as expressões mais antigas das oligarquias se reconstituíram, até com emblema de moralidade pública. E a esquerda vai se dispersando, imersa em suas contradições, impactada pela decepção, sem conseguir ainda fazer uma síntese da crise e ressignificar o socialismo¿.

Alencar diz que tem ido a debates nas universidades e está impressionado com o que chama de ¿fracionamento¿ da esquerda: existe até um Movimento Estudantil Popular Revolucionário que denuncia o ¿eleitoralismo¿ do PSTU, o ¿reformismo reacionário¿ do PSOL, o ¿caráter anti-operário de origem¿ do PT, o ¿peleguismo¿ do MST!!! Proposta da moçada: ¿destruir o estado burguês¿. Como? ¿Fazendo a revolução camponesa e operária¿. São, segundo Alencar, jovens cheios de certezas e convicções inabaláveis, que já se preparam para denunciar a farsa das eleições de 2006.

Como professor de História, Alencar avalia que esses ¿são fenômenos interessantes sociologicamente, mas muito preocupantes do ponto de vista da política, pois há um germe de autoritarismo nessas formulações peremptórias, que fecundam no ambiente da descrença geral com a institucionalidade¿. A mesma descrença que se espalha pela sociedade civil como um todo.

O ministro Ciro Gomes reafirma que os R$457 mil repassados pelo lobista Marcos Valério foram para o publicitário Einhart Jacome Paz, em pagamento pela campanha do segundo turno, em que ele apoiou Lula. Seu ex- secretario-executivo Marcio Lacerda foi apenas o contato.