Título: DA ESCOLA PÚBLICA À CADEIRA DE JUIZ
Autor: Carolina Brígido e Chico Otavio
Fonte: O Globo, 30/10/2005, O País, p. 4

Para magistrado fluminense, origem humilde ajuda na vida profissional

De brincadeira, o juiz Marcos Alcino Torres, da 34º Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, costuma dizer que é um daqueles espermatozóides que tinham tudo para dar errado mas venceu a corrida rumo à fertilização. Filho de um ferroviário e de uma costureira, órfão de pai aos 11 anos, Torres, de 49, é a encarnação do perfil do juiz nacional revelado pela pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB): é branco, tem em torno de 50 anos, casado, com filhos, e veio de uma família cuja escolaridade é inferior à sua. Em relação à média de seus pares, a diferença é que Torres, juiz há 21 anos, fez uma faculdade particular de direito, embora tenha cursado os ensinos médio e fundamental na rede pública.

¿ Como a maioria dos estudantes de escola pública, não passei no vestibular de engenharia das universidades federais. Meu patrão na época sugeriu que eu tentasse direito. Passei para uma faculdade particular e acho graça porque, hoje, quando conto esse episódio para meus alunos da Uerj, eles ficam surpresos em saber que um juiz estudou numa instituição sem o mesmo prestígio das públicas ¿ afirma Torres.

A pesquisa da AMB mostra que três em cada quatro juízes são homens. Mas as mulheres estão em ascensão: entre os aposentados, os homens são 90,5% contra 72,9% na ativa. Outro indicador da presença feminina é a idade. A média das juízas na ativa é de 44,3 anos, contra 51,9 dos homens. Na faixa mais jovem, até 30 anos, as mulheres já representam 36,4%. Segundo a pesquisa, o mais novo magistrado do país tem 24 anos. O mais velho, 94.

A AMB pesquisou a cor dos juízes. A maioria, 86,5%, é branca ¿ menos de 1% é negra. Na Região Sul, os magistrados brancos representam 96,5% do total. Já os negros têm representatividade acima da média apenas na Região Nordeste (1,7%).

Apenas 17,8% das mães dos juízes têm nível superior

Outra curiosidade da pesquisa é com relação ao nível de escolaridade dos pais dos juízes. Apenas 32,8% são filhos de pais com nível superior e 17,8% de mães que fizeram universidade. No extremo oposto, os pais de 32,3% e as mães de 31,3% dos magistrados não completaram sequer o Primeiro Grau.

¿ Só fiz dois anos em escola particular porque minha mãe conseguiu uma bolsa ¿ conta Torres. ¿ Hoje, meus filhos estudam em colégios privados. Eles já vão partir para a vida profissional com uma condição melhor do que a minha ¿ acrescenta ele, que tem três filhos, de 13, 11 e 6 anos.

Na hora de casar, porém, os juízes têm procurado parceiros com maior nível de escolaridade: 52,6% dos cônjuges dos magistrados na ativa têm superior completo ¿ entre os aposentados a média é de 42,7%.

E, pela pesquisa, fica claro que o sonho de ser juiz foi fruto de muito empenho: nada menos que 96,5 dos profissionais da ativa e 98,2% dos aposentados exerceram outra atividade antes da magistratura.

¿ Comecei a trabalhar aos 17 anos, como auxiliar de escritório. Mas, antes de ser juiz, já tinha comprado uma casa para minha mãe. No Rio, noto que boa parte da categoria é oriunda de uma classe social mais privilegiada. Não acho isso bom. Se você nunca deveu dinheiro, nunca pegou empréstimo, nunca contou os trocados para a passagem, terá mais dificuldades para entender os problemas de um brasileiro comum.