Título: Na hora de decidir, efeitos sociais contam para juízes
Autor: Carolina Brígido e Chico Otavio
Fonte: O Globo, 30/10/2005, O País, p. 4

Quase 84% dizem que não consideram apenas a lei

BRASÍLIA e RIO. Depois de peregrinar por postos de saúde e hospitais públicos em busca de remédio para o marido, a aposentada Camila Paula Assunção, de 79 anos, mudou de estratégia. Ela agora engrossa a fila da Defensoria Pública na esperança de processar a prefeitura e o governo estadual para obrigá-los a fornecer o medicamento gratuitamente. A pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) é alento para dona Camila: mostra que quase 84% dos juízes, na hora de decidir, levam em conta não só a lei, mas seus efeitos sociais.

A pesquisa confirma que, para pessoas como a aposentada, a Justiça se tornou um porto seguro a protegê-las do Estado ineficiente. Dona Camila espera há um ano a chance de ser atendida pela Defensoria. Seu marido, o servente Joaquim Pereira Assunção, tem 72 anos e sua pensão é de R$300. A caixa de remédios para sua falta de ar custa R$100 por mês.

A pesquisa da AMB revela que, se os parâmetros legais orientam as decisões de 87,15% dos juízes da ativa, 83,85% também dizem levar em conta o compromisso com as conseqüências sociais e 40,5% com as conseqüências econômicas. Para o total de juízes, os resultados são parecidos: 78,5% levam em conta o compromisso com causas sociais e 36,5%, com causas econômicas.

Os casos mais conhecidos são sentenças que garantem fornecimento de remédio ou internação, baseados num princípio constitucional de que saúde é bem inalienável do cidadão. Assim como a proibição do fumo nas aeronaves, a proteção dos idosos e o direito alternativo, aplicado quando os juízes consideram a lei injusta para a solução de um caso.

Para o desembargador Marcos Faver, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), decisões baseadas também nas circunstâncias sociais podem provocar insegurança jurídica.

¿ Quando o juiz vai decidir, tem de levar em conta a lei, maior garantia da população. Se não, corre o risco de se tornar um juiz ditador. Na ânsia de reduzir a injustiça, os magistrados estão impulsionados a isso. É um perigo, pois cai num grande subjetivismo.