Título: AS FAVELAS QUE TOMAVAM O CENÁRIO DA LAGOA
Autor: Fernanda Pontes
Fonte: O Globo, 30/10/2005, Rio, p. 31

Ocupação das margens começou nos anos 30 e se estendeu até os 60, reunindo mais de 13 mil moradores

Difícil imaginar, mas um dia a Lagoa Rodrigo de Freitas foi cercada por favelas. No início da década 50, quatro comunidades carentes que somavam mais de 13 mil moradores espalhavam-se por toda a encosta da Rua Sacopã até a Catacumba e parte da Gávea e do Leblon, próximo ao Clube de Regatas do Flamengo. Mesmo as margens da Lagoa, na Avenida Borges de Medeiros, eram ocupadas por barracos de madeira, que ficavam perto do Clube Piraquê e da Hípica. Imagens como essas impressionam até historiadores e mostram uma Lagoa bem diferente dos dias de hoje e pouco conhecida do carioca.

A favelização desta área nobre da cidade se deu a partir da década de 30 e terminou no fim dos anos 60 com a remoção da última favela, a da Praia do Pinto, no Leblon. Segundo o presidente do Observatório Urbano da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Cezar Teixeira Honorato, a abertura de grandes vias e a construção civil na Zona Sul impulsionaram a ocupação do entorno da Lagoa:

¿ Esse foi o segundo processo de favelização do Rio, quando a urbanização chega efetivamente à Zona Sul. A retirada dessas comunidades começa a acontecer a partir da década de 40 e só termina em 1969 com a remoção da Praia do Pinto, no governo Negrão de Lima.

Barracos do Leblon ao Jardim Botânico

Os números sobre o entorno da Lagoa são do Censo de 1950 do IBGE e foram analisados pela socióloga Maria Laís Pereira da Silva em sua tese de doutorado na UFRJ sobre a favelização da cidade dos anos 30 até 1964. Ela explica que o censo levava em conta comunidades carentes que tinham pelo menos 50 casas:

¿ Esse era um dos critérios usados pelo IBGE, mas sabemos que na Lagoa havia outros núcleos menores de favelas.

Ela explica ainda que algumas comunidades que aparecem cadastradas pelo IBGE, nos anos 50, nem estão no Censo de 1960.

A Praia do Pinto, por exemplo, tinha nesse período cerca de sete mil habitantes. Era a comunidade mais expressiva da época e chegou a ocupar uma área de 96 mil metros quadrados, numa das regiões mais valorizadas do Rio, o meio do Leblon, onde está hoje o condomínio Selva de Pedra. Seus limites chegavam ao estádio do Flamengo e ao Jardim de Alá. Do outro lado da Lagoa, próximo ao Corte de Cantagalo, ficava a Favela da Catacumba, que tinha mais de três mil moradores e uma vista privilegiada.

¿ Ali era uma região tão degradada e pobre que os ônibus nem paravam em frente à favela ¿ conta o historiador Milton Teixeira.

Essa, no entanto, não era a única encosta ocupada. A comunidade Morro do Sacopã formou-se próximo da Curva do Calombo. Seus casebres de madeira, onde cerca de 1.800 pessoas viviam, resistiram à urbanização da Avenida Epitácio Pessoa, mas depois deram lugar a condomínios e casas de luxo.

E os barracos também chegaram ao Jardim Botânico, próximo do Clube Piraquê, antes de a Avenida Borges de Medeiros ser construída. Era ali que ficava a Favela Paula Machado e Jardim Botânico, nos anos 40 chamada de Vila Hípica, com 1.036 moradores. Na época, moradores estendiam suas roupas em varais bem próximo das grades da Hípica.

¿ Lembro que nem havia acesso entre os bairros do Jardim Botânico e Leblon pela Lagoa porque o local era completamente favelizado, inclusive perto do Jockey Club ¿ disse o arquiteto Sérgio Magalhães, que chegou a morar bem ao lado da Praia do Pinto.

Segundo o historiador Milton Teixeira, a consolidação dessas comunidades aconteceu porque o sistema de transporte era precário e operários optaram por morar perto do trabalho.

¿ Além da expansão da construção civil, tínhamos quatro fábricas localizadas na Gávea, no Jardim Botânico e na Fonte da Saudade. As indústrias utilizavam a mão-de-obra de favelados e a Lagoa ainda tinha áreas livres que possibilitavam a instalação dos barracos.

Para Honorato, se as construções não tivessem sido retiradas da região, o bairro seria hoje uma grande favela:

¿ Certamente a Lagoa seria um bairro degradado semelhante a outros da cidade como o Caju. Isso influenciaria o mercado imobiliário e não haveria prédios luxuosos ali.

Rocinha resistiu a processo de urbanização

Mas algumas favelas da Zona Sul conseguiram resistir ao processo de urbanização como a Rocinha, em São Conrado.

¿ Interesses imobiliários influenciaram na retirada das favelas da Lagoa. Mas as que não estavam na rota do crescimento da cidade permaneceram. A Rocinha só foi consolidada mesmo com a abertura do Túnel Zuzu Angel e a expansão do Rio em direção à Barra ¿ disse Honorato.

As fotografias do início dos anos 50 fazem parte do acervo da família de Aloysio Affonso Penna, que morreu no ano passado, aos 96 anos. Penna trabalhou como chefe de gabinete do prefeito João Carlos Vital, cujo governo foi de 1951 a 1954. As imagens foram cedidas pelo sobrinho dele, o engenheiro João Carlos Moreira Penna, que teve acesso ao material e quis divulgá-lo:

¿ Achei interessante mostrar imagens de favelização como essas, que poucos cariocas conhecem.

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