Título: SOBRE AS ALTAS TAXAS DE JUROS NO BRASIL
Autor: Arminio Fraga Neto
Fonte: O Globo, 30/10/2005, Economia, p. 35

Em artigo especial, Arminio Fraga alerta que país deve conter crescimento explosivo do gasto público e defende reformas

Há pelo menos 15 anos as elevadas taxas de juros são dos temas mais polêmicos e importantes do debate econômico no Brasil. As nossas são as mais altas do mundo por larga margem. Quando viajo ao exterior a pergunta mais freqüente sempre diz respeito aos juros, não à política. Se os juros continuarem assim, o desenvolvimento do país ficará comprometido. Um dos inimigos da queda dos juros é o crescimento do gasto público na última década. Outro complicador neste momento é o aumento do crédito. Mas há boas novas a caminho, e mais pode ser feito. Esse artigo examina essa questão.

Quando se fala de juros é preciso distinguir entre a taxa básica da economia, a Selic, fixada pelo Banco Central, e as taxas praticadas no sistema financeiro, bem superiores à Selic por várias razões. Discuto aqui apenas a determinação da Selic. Após o Plano Real a Selic oscilou num intervalo de 15% a 45% por ano. Em termos reais, ou seja, descontando-se a inflação, as taxas ficaram entre 5% e 27%, tendo atingido 13% nos últimos 12 meses. Por que isso?

Em uma economia de mercado os juros reais são determinados pelo equilíbrio entre oferta e demanda de fundos. A curto prazo, as taxas dependem também de outros fatores, como as necessidades da política monetária, mas em geral tendem a espelhar os fundamentos da poupança (pública, privada e externa) e do investimento.

Durante os primeiros anos do Plano Real as taxas de juros foram pressionadas para cima, inicialmente para garantir o fim da hiperinflação. Em pouco tempo ocorreu uma deterioração do resultado fiscal primário que, após a austeridade do início dos anos 90, chegou a um déficit de 1% do PIB em 1997. Adicionalmente, a taxa de câmbio ficou defasada, o que gerou expectativa de desvalorização e adicionou um prêmio de risco à taxa de juros. Nesse período a Selic real ficou em torno de 20% ao ano, em média.

A partir do fim de 1998, o resultado primário passou a superávit e em janeiro de 1999 o câmbio passou a flutuar. Em pouco tempo, a Selic real caiu para cerca de 10%. Àquela altura parecia que o tripé responsabilidade fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante nos levaria a juros mais normais.

Bem, até agora isso não ocorreu. E notem que hoje, em vez de um déficit em conta corrente de 4% do PIB como em 2000, temos um superávit de 1,5%, e que o superávit primário anda mais para 5% do PIB! Uma explicação para o fenômeno dos juros passa por dois pontos: dúvidas remanescentes quanto à solidez dos fundamentos e dificuldades ligadas ao combate à inflação.

Em primeiro lugar os fundamentos. Apesar da importante melhora dos últimos dez anos, ainda permanecem dúvidas quanto a nossa capacidade de preservar a estabilidade. O gasto público como proporção do PIB subiu de 25% em 1995 para 35% em 2004. Esse crescimento é um inimigo implacável da redução dos juros. Nesse ritmo não teremos viabilidade econômica em mais alguns anos. Esse receio é reforçado por nossa história de moratórias, calotes, hiperinflações e quebras de contrato, e justifica os juros reais superiores aos 1-2% praticados na maioria dos países. Mas dificilmente uma análise comparativa explica taxas superiores a 5% ou 6%. Para explicar taxas de dois dígitos é preciso muito mais. Aqui entra o segundo ponto.

Com a crise de confiança de 2002 a inflação ultrapassou 12% ao ano. Para combatê-la foi necessário ativar a política monetária, que tem como principal instrumento a Selic. Um aumento da Selic age na direção de reduzir a demanda agregada. Isso ocorre através do chamado mecanismo de transmissão da política monetária, que inclui o encarecimento do crédito, o desestímulo ao consumo e ao investimento, e a apreciação da taxa de câmbio.

No caso do Brasil, o que se observa é um mecanismo fraco, especialmente em função da estrutura do nosso mercado de crédito. Além de pequeno (inferior a 30% do PIB), o crédito no Brasil é de prazo curto e, na parcela subsidiada e direcionada pelo governo, insensível à taxa de juros de mercado. Assim, para se obter o efeito desejado sobre a demanda agregada, faz-se necessário um aumento de juros expressivo.

Outro ponto diz respeito ao rápido crescimento do crédito nos últimos três anos. É verdade que as reformas nos últimos dez anos visaram justamente a baratear e aumentar o volume do crédito. Mas no momento a expansão entra em choque com a condução de uma política monetária restritiva e leva o Banco Central a elevar ainda mais os juros.

Em suma, diante do crescimento acelerado do gasto público e do crédito, a política monetária tem que trabalhar dobrado para reduzir a inflação. Vêm daí nossos altíssimos juros.

Que conclusões e recomendações podemos extrair dessa discussão? Em primeiro lugar, é urgente levar adiante as reformas e medidas necessárias para consolidar a solidez dos fundamentos macro, em especial revertendo a trajetória explosiva de crescimento do gasto público. Uma guinada nessa direção é condição essencial para a redução significativa e duradoura dos juros (e também da carga tributária!). Gerar um superávit primário de 5% do PIB seria bom, mas não tão importante quanto reduzir o gasto público de forma permanente.

Em segundo lugar, pelas razões expostas acima, enquanto durar o período de combate à inflação será necessário manter os juros em patamar elevado. Mas a boa nova é que, se o argumento apresentado aqui estiver correto, atingido o nível desejado de inflação a política de juros tão elevados não será mais necessária, assim como seu efeito colateral, o câmbio valorizado.

Há sinais de que esse momento já chegou. A convergência das expectativas de inflação para as metas e a forte pressão para apreciação do câmbio indicam que o processo de redução da Selic recém-iniciado pelo Banco Central pode ir longe. Cabe agora agir para diminuir a sobrecarga de responsabilidade que hoje recai sobre a política monetária e facilitar ainda mais a queda dos juros. Para tanto, será preciso evitar temporariamente a expansão do crédito e implantar logo a contenção do gasto público.

(*) ARMINIO FRAGA foi presidente do Banco Central de 1999 a 2002