Título: FAVELA S. A.
Autor: JÚLIO LOPES
Fonte: O Globo, 31/10/2005, Opinião, p. 7

Recentemente, durante um debate na Firjan sobre revitalização do Rio, o secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, declarou que o município havia se transformado em uma grande favela com pequenos pedaços da Cidade Maravilhosa em volta. Exageros à parte, a afirmação do secretário tem um fundo de verdade. Em 1980, segundo o IBGE, havia 637.518 moradores nestas áreas. Em 2000, pulou para 1 milhão.

Mas por que as favelas crescem tanto? Há a questão social, mas, tão importante quanto ela, está o conjunto de atividades econômicas das favelas e que estimulam seu crescimento, comprometendo a segurança de todos. Uma dessas atividades é a especulação imobiliária informal que domina favelas como Rocinha e Vidigal. Protegidos por milícias armadas, os donos desses imóveis conseguem, à margem da lei, construir prédios e lojas em proporções geométricas. São os verdadeiros donos dos morros.

Na região do Boiadeiro, na Rocinha, uma pesquisa feita por meu gabinete apontou a existência de 149 prédios com 1.200 apartamentos. Todos irregulares. Ao invés de coibi-los, o prefeito Cesar Maia reforça essa situação ao publicar um decreto, de 12 de julho, em que isenta de taxas de licença estabelecimentos comerciais nas favelas.

Esse mercado clandestino fortalece, em alguns casos, milícias armadas que cobram taxas dos donos desses imóveis para terem a certeza que seus inquilinos pagarão em dia o aluguel. Já aquele que mora num imóvel clandestino não tem a garantia que, ao voltar do trabalho, continuará na sua casa.

É preciso fazer um pacto pela legalidade. Ou seja: realizar uma ampla regularização fundiária para trazer ao mercado formal milhares de pessoas que hoje vivem na ilegalidade. Uma das saídas para este problema está na regularização fundiária referenciada por satélite (georreferenciamento). Este trabalho é precedido de um questionário, aplicado in loco, para levantar o número real de domicílios da favela, identificando seus moradores, condições socioeconômicas, bens de consumo e regime de ocupação do imóvel. As informações colhidas no campo formam um banco de dados, digitalizados e importados para uma base cartográfica.

A partir daí, os dados dos domicílios são georreferenciados por satélite, tornando-se possível a produção de mapas para um projeto de regularização. Com o georreferenciamento, pode-se desenvolver não só a legalização da terra em comunidades como a Rocinha e o Vidigal, como também monitorar por satélite seu crescimento.

Ao dar cidadania àqueles que não a têm, a regularização fundiária colabora com a segurança pública, pois corta o vínculo entre o mercado informal de imóveis e as milícias armadas.

JÚLIO LOPES é deputado federal (PP-RJ).