Título: Patrulhamento precário é alvo de críticas
Autor: Fernanda Pontes e Lilian Fernandes
Fonte: O Globo, 31/10/2005, Rio, p. 9

Sem contar com orientação de PMs após a morte de traficante, motoristas entraram em pânico no Túnel Zuzu Angel

O policiamento no entorno da Rocinha após a morte do traficante Bem-Te-Vi foi criticado por quem precisou passar pelo Túnel Zuzu Angel na tarde de sábado, quando motoristas deram marcha a ré ao ouvir barulho de fogos e tiros, sem saber o que estava acontecendo e sem orientação da PM. Segundo a Secretaria de Segurança, 50 policiais do 23º BPM (Leblon) ¿ apenas 15 a mais do que o normal nos últimos três meses ¿ foram destacados para fazer o patrulhamento na área, que inclui acessos por São Conrado e Gávea. Somente no Cemitério São João Batista, em Botafogo, onde o bandido foi enterrado, eram 45.

O tenente-coronel Aristeu Leonardo Tavares, relações-públicas da PM, afirmou que nenhum tiro foi disparado. Mas dezenas de pessoas ficaram com medo por causa do barulho de tiros e de fogos detonados por traficantes antes do enterro de Bem-Te-Vi.

¿ Não sabíamos o que estava acontecendo. Ouvimos o barulho de fogos, mas não havia policiais. Uma mulher estava apavorada entre as galerias do túnel e acabou indo com a gente de carona ¿ contou o designer Gustavo de Medeiros, que ia para o Leblon.

Advogada buscou refúgio em shopping em São Conrado

A advogada Adriana Barcellos, que também seguia em direção à Zona Sul, ficou insegura porque não viu policiais na Auto-Estrada Lagoa-Barra:

¿ Sabia que havia uma confusão na Rocinha, mas não vi o que era. Fiquei insegura, não havia policiais nem informação nas ruas. Acabei me refugiando no Fashion Mall.

A jornalista Ticiana Azevedo, que seguia no sentido contrário, ficou apavorada:

¿ O trânsito na entrada do túnel estava lento e um carro da polícia passou por nós. De repente, saiu uma senhora do túnel dizendo que era tiroteio. Muitos motoristas deram marcha a ré, outros abandonaram os carros. As pessoas gritavam, choravam. Fiquei apavorada e voltamos pela contramão.

Morador do Jardim Botânico, o produtor musical Vinícius França, empresário de Chico Buarque, estava no último carro a atravessar o túnel antes da interdição pela polícia. Ele voltava do Recreio, onde jogara no campo do Polytheama, time de futebol mantido pelo compositor:

¿ Quando passava em frente ao Fashion Mall, ouvi barulho de morteiro e de tiro. Policiais apontavam armas para o morro. Depois que passei, o túnel ficou vazio atrás de mim e pensei: ¿O bicho está pegando!¿. Só quando cheguei à Gávea ouvi no rádio o que tinha acontecido.

A socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, disse que a PM cometeu um erro tático:

¿ A história mostra que, quando há a morte violenta de um chefe do tráfico provocada pela polícia, principalmente dos que têm relação de cumplicidade com os moradores, a reação da população é muito violenta. Certamente o número pequeno de policiais foi um erro tático. Poderia ter ocorrido uma situação muito pior.

¿Havia barulho de tiros e de bombas¿

Julita disse ainda que o policiamento ostensivo, quando é planejado e implementado de forma adequada, dá a sensação de segurança de que as pessoas precisam.

¿ Acho que a polícia menosprezou a reação que a comunidade poderia ter.

Quem estava no bairro a trabalho também ficou em pânico. Marco Aurélio Guedes, funcionário de uma concessionária na Estrada da Gávea, disse que a loja fechou às pressas.

-¿ O chão e os vidros vibravam. Havia barulho de tiros e de bombas. Os carros voltavam na contramão, moradores da Rocinha ficaram aglomerados aqui em frente porque não podiam voltar para casa.

Segundo o tenente-coronel Aristeu, o reforço da PM na Rocinha foi suficiente:

¿ Tivemos um aumento no efetivo desde a madrugada de sábado, após a morte do traficante. O percurso dos moradores da Rocinha ao enterro foi acompanhado por uma equipe completa do Getam (Grupamento Especial Tático-Móvel), com três carros e cinco policiais. O que assustou as pessoas foi o barulho dos fogos, já que nenhum tiro foi disparado. O reforço da PM foi suficiente.

Ontem de manhã, o clima era tranqüilo no entorno da Rocinha e apenas um carro da PM patrulhava a entrada da comunidade ao lado da Auto-Estrada Lagoa-Barra. Mais tarde, outros dois chegaram. Segundo policiais do 23º BPM, o número de homens na Rocinha era o mesmo de sempre: cerca de 40 vigiando a favela e seus acessos. No asfalto, o medo era maior. Moradores de São Conrado temiam um novo tiroteio.

COLABOROU Daniel Engelbrecht