Título: SAÍDA DE SUZANA LISBOA DIVIDE COMISSÃO
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 01/11/2005, O País, p. 12

Para alguns parentes de militantes, famílias não devem mais participar do órgão

BRASÍLIA. A decisão da ativista política Suzana Lisboa de abandonar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos expôs uma divisão entre parentes de militantes e guerrilheiros que atuaram no combate à ditadura. Um grupo quer continuar representado no órgão e indicar o substituto de Suzana. Outros, porém, não querem mais participar. Numa reunião do presidente da comissão, Augustino Veit, com alguns parentes de militantes, ontem, ficou decidido que até dia 20 será escolhido o sucessor de Suzana. Mas o grupo contrário à permanência na comissão boicotou o encontro.

Os dirigentes do Tortura Nunca Mais presentes à reunião defendem a continuidade do trabalho e que seja indicado novo representante das famílias. A presidente do grupo no Rio, Elizabeth Silveira, é favorável aos parentes continuarem representados até o julgamento dos 38 casos em análise:

¿ Não seria justo com esses parentes abandonarmos a comissão neste momento. É preciso ajudar a elucidar esses casos. Temos que acabar o que começou, por mais que o governo esteja nos decepcionando.

Convidada para a reunião, a presidente do Tortura Nunca Mais de Pernambuco, Amparo Araújo, não foi, em protesto contra o governo que, segundo ela, está fazendo "pouco caso" com os problemas enfrentados pelos parentes:

¿ Não me cabe comparecer a uma reunião com representantes de um Estado que não reconheço com legitimidade para tratar da memória de quem lutou para construir uma sociedade justa.

A ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) Iara Xavier, que trabalha como voluntária na comissão desde sua fundação, também é favorável a que os parentes continuem representados. Para ela, sair agora seria um desrespeito com as famílias cujos casos ainda precisam ser julgados na comissão.

¿ Casos mais famosos, como os de (Carlos) Lamarca e (Carlos) Marighella já foram julgados, mas temos que tratar todos igualmente. Não é momento de sair ¿ disse Iara, que sugeriu que as reuniões da comissão, a partir de agora, sejam públicas.

Ex-militante é favorável à saída dos parentes

Criméia Almeida, ex-militante que também não foi à reunião de ontem, afirmou que não há mais razão para os parentes participarem da comissão:

¿ É preciso abrir os arquivos, localizar as ossadas, identificar e punir culpados. O governo mantém a história trancada a sete chaves e preserva moralmente os torturadores.

Outras representantes do Tortura Nunca Mais, Diva Santana, da Bahia, e Édila Pires, de São Paulo, propuseram que os parentes continuem na comissão. Augustino Veit afirmou que considera natural a divergência. E confirmou a escolha do sucessor de Suzana Lisboa:

¿ É um processo político natural. Vamos fazer a consulta e depois indicar o nome para o presidente da República.

O racha entre os parentes não é novo. No grupo há divergência, por exemplo, sobre quais os peritos mais competentes para identificarem ossadas, se os argentinos ou os brasileiros.