Título: HERDEIRA CAPAZ DE MUDAR UMA MONARQUIA
Autor: Priscila Guilayn
Fonte: O Globo, 01/11/2005, O Mundo, p. 30
Nascimento de filha de príncipe espanhol reforça projeto do governo de pôr fim à prioridade dos homens na sucessão
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MADRI. Um ano e meio depois do casamento do príncipe das Astúrias, Felipe de Borbón, herdeiro do trono espanhol, com a jornalista divorciada Letízia Ortiz, nasceu na madrugada de ontem Leonor, a primeira filha do casal e a segunda na linha de sucessão da Coroa ¿ depois de seu pai. O nascimento da infanta é motivo para uma complicada ¿ embora aparentemente consensual ¿ reforma constitucional, que aboliria a prioridade de sucessão para herdeiros homens.
Embora a discussão tome corpo agora, com o nascimento de Leonor, a mudança do artigo 57 da Constituição já foi proposta pelo presidente do governo, José Luis Zapatero, em sua cerimônia de posse, dois meses antes do casamento do príncipe. Trata-se de uma das medidas na agenda do governo socialista em seu empenho por uma sociedade mais igualitária: recentemente foi aprovado o casamento de homossexuais e a adoção de filhos por eles. Das monarquias européias, apenas Espanha e Reino Unido mantêm em suas Cartas a prioridade para o homem na linha de sucessão.
Felipe admite que sua filha poderá ser rainha
A reforma constitucional exigirá a aprovação de dois terços dos membros do Senado e da Câmara, que em seguida deverão ser dissolvidos para que novas eleições sejam convocadas. O novo Parlamento também terá de aprová-la com maioria de dois terços e depois haverá um referendo popular para que os eleitores aprovem a mudança. Os principais partidos políticos já se manifestaram a favor de que mulheres subam ao trono.
Perguntado se sua filha será rainha, Felipe respondeu:
¿ A lógica dos tempos sugere que, se a reforma proposta pelo governo for feita, isto acontecerá.
Emocionado, o príncipe afirmou também que se trata de um ¿fato muito significativo do ponto de vista político e constitucional¿.
Decano do Colégio Nacional de Doutores de Ciências Políticas e Sociologia, Miguel Ángel Ruiz de Azúa explicou a atual lei:
¿ A Constituição não proíbe que mulheres sejam rainhas. Mas entre os irmãos a preferência é dos homens. Se Leonor for filha única, ou se tiver outras irmãs, herdará o trono porque é a mais velha. Mas se nascer um menino e não mudarem a Constituição, ele será o sucessor.
Para muitos espanhóis, monarquia está superada
Como Felipe não é o primogênito, a reforma teria que incluir uma ressalva para que sua irmã mais velha, a infanta Elena, não assuma o trono em seu lugar.
¿ Os aspectos políticos desta mudança transcendem os aspectos acadêmicos ou técnicos. Hoje em dia, na situação que vivemos na Espanha, tão mutante e tão convulsionada, é difícil prever se poderá ou não ser aprovada ¿ comentou o reitor da Universidade Rei Juan Carlos, Pedro González-Trevijano.
O momento convulsionado a que ele se refere diz respeito a outros itens incluídos na futura reforma constitucional. Uma das mudanças que vem provocando intenso debate é a denominação de nação para a Catalunha. O reitor afirmou que não há sintonia entre os partidos em relação à reforma. Quanto à monarquia, segundo uma pesquisa recente 55% dos espanhóis a consideram um sistema superado e 49,8%, que é ¿uma garantia de ordem e estabilidade.