Título: Encolhimento
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 02/11/2005, Primeiro Caderno, p. 2

A história do dinheiro cubano que teria alimentado a campanha presidencial do PT em 2002 perdeu dois terços de seu impacto inicial ao longo desta semana política de dois dias. Desidratada pela falta de provas e a bizarrice da narrativa, levou a própria oposição a uma posição de cautela, sem perder a beligerância. Mas ficará no ar e como veneno gasoso chegará até à reunião da Cúpula das Américas, nos dias 4 e 5 em Mar del Plata, na Argentina.

Desta vez a denúncia encontrou o PT já um pouco refeito da vertigem causada pelo estrondo do escândalo, em junho. Agora agiu com mais senso prático e firmeza, a exemplo da iniciativa do novo presidente, Ricardo Berzoini, de processar a revista ¿Veja¿, que na Justiça poderá apresentar novas evidências ou responder pela publicação de denúncia infundada. O novo líder, Henrique Fontana, também conseguiu tirar a bancada da letargia e manter uma tropa no plenário em defesa do governo. Conseguiu até mesmo reintegrar o grupo independente que preferiu ficar no partido a partir para o PSOL. Um esquema tão amador de transporte de dinheiro dificilmente teria sido montado por um país que tem um serviço de inteligência respeitado (até pelo inimigo americano) como Cuba. Mas o estrago está feito e a oposição ganhou mais um chicote para fustigar o presidente e o PT daqui para 2006, pois vai ficando claro que é neste ambiente que se dará a travessia. Fontes do governo trabalham com a hipótese de que Rogério Buratti tenha oferecido uma contrapartida ao esquema de delação premiada que negociou por ocasião de sua prisão, quando acusou o ministro Palocci de comandar um esquema de propina em Ribeirão Preto. Acordos desta natureza conduzem a uma pressão permanente por novas revelações. Neste contexto, com a ajuda de Poleto, ele teria falado do dinheiro cubano. Pode ter até ouvido alguma coisa sobre ajuda cubana mas dificilmente executada da forma que descreveu. O governo, tal como fez o presidente Lula ontem ao se negar a responder a perguntas dos jornalistas sobre o assunto, continuará deixando para o PT o combate político em torno da questão. Aqui, basta o presidente evitar o assunto mas na reunião de Mal del Plata haverá no mínimo algum constrangimento. Fidel não estará, embora tenha sido a estrela do programa de TV de Diego Maradona anteontem na Argentina. Cuba é o único país da América que não participará da Cúpula, já que nem é membro da OEA. Chávez estará fazendo barulho máximo, declarando a morte da Alca. E Bush chegará quase tão enrolado quanto Lula em seus problemas domésticos, que envolvem a queda forte de popularidade e a demissão de um assessor de Dick Cheney, seu vice, indiciado no caso Plamegate. À vontade mesmo estará o anfitrião, Néstor Kirchner, que acaba de colher boa vitória eleitoral. Constrangimentos e seqüelas à parte, pela primeira vez na crise uma denúncia encolhe logo depois de lançada.