Título: Passo acertado
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Fonte: O Globo, 03/11/2005, Opinião, p. 6

Ano após ano, enquanto ambientalistas ferrenhos se batiam por uma Amazônia intocada, a floresta foi sendo devastada à taxa, de acordo com os dados mais recentes, de 26 mil quilômetros quadrados por ano ¿ área maior do que a do estado de Sergipe. Grilagem, ocupações ilegais, queimadas e atividade de madeireiras clandestinas, além do avanço da fronteira agrícola e da pecuária, são os grandes vilões neste processo destrutivo aparentemente irresistível, e que ultimamente vem se agravando consideravelmente.

O projeto de Gestão de Florestas Públicas, anunciado ano passado, enviado ao Congresso este ano e aprovado na Câmara no início do mês passado ¿ está agora aguardando apreciação no Senado ¿ é uma proposta que pode ser pelo menos um primeiro passo para uma importante mudança nesse quadro de devastação contínua. Indica, sobretudo, que o governo tomou consciência da questão fundamental: pretender manter a floresta inteiramente a salvo da ação humana é a melhor garantia de sua destruição.

De fato, a exploração racional ¿ no caso, de parte das chamadas terras devolutas, que não fazem parte de unidades de conservação nem de reservas indígenas e por isso mesmo são alvo prioritário dos desmatadores e grileiros ¿ é a única forma sensata de explorar as riquezas naturais sem destruí-las. O projeto, apropriadamente cuidadoso, prevê concessão ao setor privado para extração de madeira (à base de não mais de cinco a seis árvores por hectare, o correspondente a 3%), e outras finalidades, inclusive turismo.

Assim, ao mesmo tempo que se mantém o domínio público sobre as áreas, cria-se a perspectiva de supervisionar e monitorar atividades de exploração devidamente regulamentadas. O projeto merece ser aprovado no Senado não por constituir uma hipotética salvação definitiva da Amazônia, mas sim um importante avanço para permitir que o país possa se beneficiar de maneira não destrutiva de seu maior patrimônio natural.