Título: PRECISA MAIS O QUÊ?
Autor: EDUARDO PAES
Fonte: O Globo, 03/11/2005, Opinião, p. 7
Não causa espanto que o tesoureiro afastado do PT, Delúbio Soares, tenha dito recentemente que toda a podridão descoberta até agora vá se transformar, em futuro próximo, em ¿piada de salão¿. Trata-se da crença de que a causa que o moveu possa, por mais absurdo que isso seja, ser advogada.
E essa posição faz todo sentido a partir do momento em que é respaldada por opiniões expressas publicamente pelo presidente Lula. Para o primeiro mandatário, tudo o que se descobriu até agora não é nada de mais e o que poderia, quiçá, representar algo grave ainda não foi provado.
Diante de tantas elementos, alguns setores da sociedade ainda se mostram confusos e ¿compram¿ o discurso oficial de que as CPIs ainda têm muito o que encontrar antes de fazer valer a tese de que o governo montou uma amplíssima rede de corrupção. A verdade é que muito já se provou. Aos fatos.
Até o momento já se comprovou que uma agência de publicidade conquistou, logo no início do governo, novas contas de órgãos públicos por meio de licitações dirigidas, conduzidas diretamente pelo órgão centralizador da comunicação oficial, que funciona no mesmo prédio do chefe do Executivo.
Já restou igualmente provado que esta mesma agência, na execução destes contratos de publicidade, recebeu recursos superfaturados dos órgãos governamentais, foi remunerada por serviços não prestados e fraudou a terceirização de diversas ações. Mas... tudo está dentro dos padrões!
Depois foi descoberto que um dos sócios desta mesma agência de publicidade tem relação estreita com diversas figuras do primeiro escalão e do partido do governo. Mais que isso, num gesto de extrema boa vontade e amizade, o personagem em questão teria contraído ¿empréstimos¿ em seu nome e no de suas empresas no valor de R$55 milhões para financiar atividades de partidos e políticos ligados ao mandatário número um da nação. Mas... sem problema!
Comprovou-se, em seguida, que, ao longo dos primeiros dois anos e meio deste governo, esses R$55 milhões foram distribuídos segundo critérios definidos pelo tesoureiro do partido do presidente da República ¿ que circulava com incrível desenvoltura por todos os órgãos governamentais ¿ para todo tipo de finalidade. Mas... nada de anormal!
Mostrou a CPI que uma parte desses recursos se destinou a parlamentares e a partidos aliados do governo; outra pagou o advogado que defendeu o partido do chefe do Executivo em processo que apura suspeita de corrupção e assassinato; e parte serviu para pagar o publicitário do presidente da República que também detém contas no governo. Tudo por meio de transferência entre contas no exterior. Imagine se fosse algo grave!
Após algum tempo de investigação, os tais empréstimos, que nunca mereceram credibilidade, foram identificados como falsos. Serviam, na realidade, para esquentar recursos ilegais, fruto de corrupção em órgãos públicos. Aliás, tais empréstimos somavam, à época do início da crise política, já cerca de R$90 milhões. Mesmo com tudo isso, o tesoureiro do partido do presidente não diz nem como e nem quando iria pagar o que ¿deve¿ ao solidário credor -que, até a descoberta de todo o esquema pela CPI, revela uma incrível capacidade de compreensão das dificuldades financeiras do devedor. Mas... não há nada de mais!
Todas essas investigações resultaram na demissão de dois ministros do chamado ¿núcleo duro¿ do presidente da República, na troca de outros sete e no afastamento de quase 50 dirigentes e funcionários do governo. Passados meses, nenhum desses personagens foi convidado a retornar ao cargo por suposta falta de provas das acusações que lhes foram imputadas. Será por quê?
Com todas estas evidências e com tantas outras que preencheriam páginas e páginas deste jornal, o governo e seus seguidores relevam tudo o que foi encontrado, como se não fosse mais que suficiente para os enquadrar em uma lista de dispositivos do Código Penal. Àqueles que ainda cobram mais elementos e provas para que se chegue à conclusão de que estamos diante de um monumental esquema de corrupção só resta perguntar: sinceramente, o que mais é preciso?!
EDUARDO PAES é deputado federal (PSDB-RJ).