Título: DESENCONTROS
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Fonte: O Globo, 04/11/2005, Opinião, p. 6

Se vem à América Latina falar de economia, o presidente George W. Bush tentará convencer seus colegas a retomar as negociações sobre a Alca - apesar de o projeto ter deixado de ser prioritário para seu governo. Se vem apregoar as virtudes da democracia, pedirá que o ajudem a manter na linha o presidente Hugo Chávez, da Venezuela.

Esses devem ser os assuntos mais importantes da pauta da 4ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata. É pouco, convenhamos, para vizinhos que, por seus múltiplos interesses, deveriam ter a agenda perenemente lotada de bons projetos comuns. Os Estados Unidos, pelo apetite pantagruélico de superpotência econômica com sua eterna necessidade de expandir-se; a América Latina, por depender para sua prosperidade de acesso ao mercado do Norte, ainda o maior e mais cobiçado do mundo.

Questões momentosas, de cuja solução depende o seu próprio futuro político, pressionam a agenda do presidente americano, e nenhuma delas tem a ver com a América Latina. No topo da lista das preocupações de Bush está o oneroso naufrágio da intervenção no Iraque, que deixa o mais rico dos países praticamente manietado. Em seguida vêm dificuldades internas, como a percepção cada vez mais cristalizada de que a Casa Branca de Bush não está à altura das grandes crises, os problemas de assessores com a Justiça, e a queda de popularidade do presidente.

A cotação de Bush na América Latina é das piores já alcançadas por um presidente americano. Com seu desprezo pela opinião pública internacional, ele é a encarnação dos EUA que as esquerdas latino-americanas amam odiar. Seu unilateralismo em geral e sua indiferença às tribulações do resto do Hemisfério em particular o impedem de perceber que o continente - da Argentina ao Uruguai, do Peru à Venezuela - busca alternativas para a receita de sucesso de Washington.

Decerto haverá entrosamento pessoal, acordos bilaterais e troca de favores em Mar del Plata. Mas nada autoriza a esperar que esse novo encontro do desinteresse e da auto-suficiência com a desconfiança e o ressentimento melhore as relações entre os EUA e o bloco latino-americano.

São pouco animadoras as perspectivas para a Cúpula das Américas