Título: Impasse no balneário
Autor: Cristiane Jungblut/Martha Beck/Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 04/11/2005, O Mundo, p. 26

Divergência sobre Alca impede que negociadores de 34 países concluam declaração de Mar del Plata

A IV Cúpula das Américas começa hoje no balneário argentino de Mar del Plata em clima de impasse. Até ontem à noite, os negociadores dos 34 países não haviam conseguido chegar a um consenso sobre a declaração final que amanhã deverá ser assinada por 33 chefes de Estado e de governo (o presidente do Panamá não estará presente) que participarão do encontro. Mais uma vez, a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) foi a pedra no sapato. A partir de hoje, a decisão final estará nas mãos desses líderes.

Foi um dia de frenéticas negociações. O chanceler argentino, Rafael Bielsa, telefonou para a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, mas não houve acordo.

- As negociações certamente serão encerradas pelos presidentes. Esperamos que seja alcançado um entendimento e que todos os países assinem a declaração final - afirmou o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), o chileno José Miguel Insulza.

Negociadores de todos os países passaram a semana tentando concluir o texto da declaração.

- Mas a questão da Alca polarizou as discussões - explicou um diplomata brasileiro.

Mercosul discorda de México e EUA

Na mesa de negociações estão duas propostas: uma do Mercosul e outra do México, que é apoiada pelos Estados Unidos. Os dois documentos, aos quais O GLOBO teve acesso, refletem as fortes divergências que bloquearam o processo de elaboração do documento final. A proposta do Mercosul questiona as dificuldades que surgiram nos dez anos de negociações (1994-2004) para a criação da Alca: "Reconhecemos que não foram dadas as condições necessárias para alcançar um acordo de livre comércio equilibrado e equitativo a nível hemisférico", afirma.

Já o outro bloco de países - integrado por México, Canadá, Chile, Colômbia, Guatemala, Honduras, Panamá e Peru - defendeu o relançamento das negociações em 2006: "Instruímos nossos funcionários responsáveis pelo comércio a se reunirem no mais tardar em abril de 2006 para examinar e superar as dificuldades existentes de forma a avançar nas negociações da Alca". A proposta foi considerada inadmissível pelos brasileiros.

- É preciso criar condições para que os países retomem as negociações da Alca. Decidir uma data é algo improdutivo e que faz o processo perder credibilidade - disse o diplomata brasileiro.

Ele também lembrou que é preciso esperar o resultado das negociações sobre subsídios da Organização Mundial de Comércio (OMC), que poderia "lançar novas luzes sobre a Alca".

Este é um dos pontos a ser ressaltado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que chega hoje a Mar del Plata - em seu discurso de encerramento da cúpula, afirmou o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Segundo ele, Lula também vai destacar as conquistas econômicas do Brasil, como a geração de mais de três milhões de emprego e a tese de que os países da região precisam promover o crescimento com distribuição de renda.

- O presidente dirá que o combate à inflação também beneficia os trabalhadores e mostrará dados sobre isso. E dirá que, se é verdade que estamos constrangidos com a necessidade de um crescimento mais forte, o crescimento tem que ser emoldurado pela distribuição de renda - afirmou Garcia.

Lula como mediador entre Bush e Chávez

Para aumentar o impasse na cúpula, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, vem afirmando que não vai assinar qualquer documento que proponha a Alca. Diante desse quadro, os negociadores não descartam nem mesmo a hipótese de não haver uma declaração.

Segundo o diplomata brasileiro, ou se retiram os pontos polêmicos do texto, ou a Venezuela assina o documento fazendo ressalvas, ou não haverá documento final algum. Ele também indicou que o presidente Lula poderia atuar como mediador no conflito entre a Casa Branca e Chávez.

- Achamos que o pior dos mundos é acuar o presidente Chávez. É muito mais produtivo abrir canais de comunicação - afirmou.

Hoje será um dia de protestos na Argentina. Ontem partiu de Buenos Aires, rumo a Mar del Plata, um grupo de celebridades dos setores político, cultural e esportivo, que hoje participarão de uma gigantesca manifestação em repúdio à Alca e à presença de Bush no país.

Os manifestantes viajaram num trem apelidado de Expresso da Alba, numa referência ao projeto chavista de criar uma Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), em detrimento da Alca. A lista de ativistas anti-Bush inclui, além de Chávez, integrantes do grupo Mães da Praça de Maio, o ex-jogador de futebol Diego Maradona e o deputado e líder cocaleiro Evo Morales, candidato à Presidência da Bolívia.

COLABOROU: Cristiane Jungblut

Legenda da foto: TRABALHADORES seguem em passeata contra Bush em Mar del Plata: para hoje está prevista uma megamanifestação no balneário argentino