Título: 'SERIA BOM SE HOUVESSE MENOS RETÓRICA, DOS DOIS LADOS'
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 04/11/2005, O Mundo, p. 27

Secretário-geral da OEA critica postura de Estados Unidos e Venezuela e nega que Alca seja tema central da cúpula

MAR DEL PLATA. Para o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, a IV Cúpula das Américas nunca deveria ter girado em torno da criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Insulza disse ainda que deve haver menos retórica dos governos de EUA e Venezuela, e mais consenso em todos os países da região.

Durante as negociações para a elaboração do documento final surgiram fortes divergências em relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), sobretudo entre Venezuela e EUA. Com esse pano de fundo, ainda existe chance de que sejam anunciados acordos importantes?

JOSÉ MIGUEL INSULZA: É preciso deixar claro que a falta de acordo que existe até agora afeta especificamente a questão da Alca. Nas demais questões ainda temos de realizar algumas discussões, mas existe acordo. E sobre a Alca, eu nunca esperei que daqui saísse uma decisão. A Alca depende de uma série de decisões que devem ser adotadas por cada um dos países antes de retomar as negociações. Não é aqui que os países adotarão medidas sobre suas políticas de subsídios agrícolas. A Alca não é a questão mais importante desta cúpula. Chegou-se a um acordo em relação a quase todos os pontos do documento.

Venezuela e Estados Unidos não divergiram em relação à questão democrática?

INSULZA: Bem, acho que isso é mais uma coisa de linguagem. A Venezuela, por exemplo, insistiu em que seja utilizado o termo democracia participativa. Foram problemas semânticos.

A disputa entre os presidentes George W. Bush e Hugo Chávez criou um clima de tensão no encontro...

INSULZA: No que diz respeito à Alca, as maiores divergências foram entre os países do Mercosul e o resto.

Como convivem neste tipo de reunião países tão diferentes como EUA e Venezuela?

INSULZA: As relações econômicas entre a Venezuela e os Estados Unidos são das mais sólidas do continente. São grandes sócios comerciais e não escutei nenhum dos dois dizer que pensa em deixar de sê-lo.

O senhor está se referindo ao petróleo?

INSULZA: Refiro-me ao petróleo, claro. Eu moro em Washington e quando saio de casa para abastecer o carro costumo passar por um posto de uma companhia petrolífera que, se não me engano, pertence à Petróleos da Venezuela (PDVSA).

Trata-se então mais de retórica do que de realidade?

INSULZA: Tem muita retórica e isso não é bom. Seria bom se houvesse menos retórica, de ambos os lados.

Voltando aos acordos, o que deve ser anunciado no encerramento da cúpula, amanhã?

INSULZA: Medidas sobre pequenas e médias empresas, mercado e, sobretudo, medidas para criar emprego decente. Isso é muito importante, pois estima-se que 8% dos latino-americanos estejam desempregados mas o percentual de pobres é muito maior. Ou seja, muitos empregados são pobres. Temos de criar empregos que permitam ter acesso a um melhor nível de vida. O principal fator de ingovernabilidade na América Latina está vinculado ao mercado de trabalho, à frustração e à pobreza.

O Plano de Ação terá medidas concretas?

INSULZA: As medidas serão concretas, dependerá dos países cumprí-las ou não.

O senhor mencionou o problema da instabilidade política. Existe preocupação em relação a países como Bolívia e Equador, que continuam às voltas com crises políticas?

INSULZA: Conversei com o chanceler da Bolívia, mas não vejo um grande problema. Não estamos preocupados, acreditamos que tudo (as eleições presidenciais adiadas para 18 de dezembro) vai acontecer normalmente. Na semana que vem estamos enviado uma missão. No caso do Equador, conversarei com o presidente Alfredo Palacio, mas não existe preocupação.

Crises como as ocorridas este ano em países como Bolívia e Equador significam ameaças às democracias no continente?

INSULZA: Não são necessariamente ameaças à democracia, na medida em que ninguém propõe outro tipo de governo. Mas são sim ameaças à estabilidade. E a estabilidade é fundamental para atrair investimentos e criar novos empregos. É necessário mais consenso.

O governo brasileiro também enfrenta uma crise política delicada...

INSULZA: Bom, começou faz algum tempo. Teremos eleições no ano que vem, o povo decidirá. A OEA não está preocupada.

Legenda da foto: INSULZA EM reunião de chanceleres na cúpula: pedido de conciliação