Título: GENES QUE SALTAM AJUDAM O CÉREBRO A APRENDER E MOLDAM PERSONALIDADE
Autor: Ana Lucia Azevedo
Fonte: O Globo, 04/11/2005, O Mundo / Ciência e Vida, p. 29

Pesquisa é um dos destaques de evento sobre células-tronco no Rio

Eles passam a vida - a nossa - a saltar. Viajantes errantes do genoma, eram considerados vadios sem função até cientistas descobrirem que devemos aos chamados genes saltadores parte da capacidade de aprender do cérebro. Além disso, quando pulam para o lugar errado, podem estar relacionados a doenças, como autismo e esquizofrenia.

Um dos descobridores das viagens dos genes saltadores pelas células do cérebro, o brasileiro Alysson Renato Muotri, do Instituto Salk, na Califórnia, diz que o cérebro é mais instável do que se imaginava. É o preço que pagamos por sua plasticidade, afirma o pesquisador, o primeiro brasileiro a manipular células-tronco embrionárias humanas.

Muotri está no Rio para participar hoje do I Encontro Brasileiro de Células-Tronco Embrionárias Humanasgenéti, na UFRJ. O objetivo é apresentar as linhas de estudo dos grupos dedicados a células embrionárias no Brasil. Além de Muotri, participarão Stevens Rehen, Vivaldo Moura Neto, Rafael Linden, Antônio Carlos Campos de Carvalho e Rosalia Mendez-Otero, todos da UFRJ, além de Patrícia Pranke e Carlos Alexandre Netto, da UFRGS. A seguir, Muotri fala de suas pesquisas.

PULOS E FUTEBOL: "Eles se chamam retrotransposons e não saltam realmente, mas fazem cópias de si mesmos e as inserem em outro lugar do genoma de forma aleatória. Descobrimos que são ativos quando uma célula-tronco gera neurônios. E por que os neurônios são alvos dos genes saltadores? Durante o desenvolvimento, o cérebro atua como um técnico de futebol, que seleciona os melhores jogadores e precisa de opção de escolha. Os jogadores não podem ser iguais, pois um time só de atacantes, por melhores que sejam, não é bom, pois não tem defesa. O mesmo ocorre com os neurônios. Se fossem iguais, o cérebro não faria metade do que faz, e isso inclui pensar, sonhar, movimentar o corpo e se adaptar ao ambiente. Os retrotransposons estão ligados à variabilidade ao afetar genes relacionados ao funcionamento dos neurônios. Quando as mudanças são ruins, o cérebro simplesmente não seleciona o neurônio. Esse processo ocorre tanto durante o desenvolvimento quanto no adulto."

INSTABILIDADE: "Aparentemente, o preço que pagamos por um cérebro com alto poder de adaptação é justamente ter um certo nível de instabilidade nos neurônios, até mesmo nos adultos."

DOENÇAS DA MENTE: "Quando os retrotransposons são desregulados, passam a pular de forma desordenada, alterando mais genes do que os necessários. Isso pode estar relacionado a doenças ligadas à genética e ao ambiente, como esquizofrenia e autismo. Essas doenças se manifestam em formas mais severas ou mais brandas, o que pode muito bem estar relacionado à atividade dos genes saltadores. Investigamos essa hipótese."

INDIVIDUALIDADE: "Como os retrotransposons se inserem no genoma de forma aleatória, acabam por definir o padrão de cada cérebro, incluindo a personalidade de uma pessoa. Mesmo gêmeos idênticos não têm cérebros iguais. Eles têm o mesmo coração, a mesma pele, a mesma fisionomia, mas o cérebro é diferente. Esse achado acrescenta um novo elemento na definição de indivíduo. Ele é parte genética, parte fruto do ambiente, mas também é moldada pelas inserções aleatórias dos retrotransposons."